A data marca o dia de Santa Zita, jovem camponesa italiana que viveu no século XI e foi consagrada pela Igreja Católica como a padroeira das empregadas domésticas
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O dia 27 de abril não é uma data qualquer na vida de Érica Aparecida Bernardes, trabalhadora doméstica há nove anos e presidente do Sindicato das Empregadas Domésticas de Jundiaí (SP) e região desde 2014. A data marca o dia de Santa Zita, jovem camponesa italiana que viveu no século XI e foi consagrada pela Igreja Católica como a padroeira das empregadas domésticas. Para Érica, a importância dessa data vai além. Com orgulho, ela gosta de ressaltar que o Dia Nacional da Empregada Doméstica é também feriado para essas milhares de trabalhadoras do estado de São Paulo abrangidas pela Convenção Coletiva de Trabalho assinada entre sindicatos e empregadores, uma “conquista histórica”.
“Nós domésticas somos uma categoria ainda discriminada. Demoramos muito tempo a ter nossos direitos reconhecidos e, mesmo com esse reconhecimento, as pessoas não conseguem entender a importância do trabalho doméstico. Por isso é importante reconhecer o valor dessas trabalhadoras, que atuam no ambiente mais íntimo e importante das pessoas, que são as suas próprias casas”, diz Érica.
Mesmo sendo umas profissões mais antigas do país, o trabalho doméstico só atingiu patamar equivalente aos das demais categorias de trabalhadores há apenas cinco anos, em abril de 2013, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 72, também chamada de PEC das Domésticas. Esse dispositivo, regulamentado em 2015 pela Lei Complementar nº 150, que estendeu aos trabalhadores domésticos direitos como jornada semanal de 44 horas, FGTS, multa por dispensa sem justa causa, adicional por trabalho noturno, salário-família, entre outros.
“A discriminação persistiu longamente quando a gente analisa a evolução legislativa das domésticas. Na aprovação da CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], em 1943, elas ficaram de fora. Foram quase 30 anos até que, no final de 1972, fosse aprovada uma lei para essa categoria, mas sem as mesmas garantias. Depois, veio a Constituição de 1988 e os trabalhadores domésticos também foram excluídos. Somente a Emenda Constitucional nº 72, de 2013, que ainda levou dois anos para ser regulamentada [2015], significou uma reparação histórica”, afirma Delaíde Arantes, ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que trabalhou como doméstica na sua adolescência, em Pontalina (GO), para sustentar os estudos e ajudar a família pobre do campo.
“Falar da origem desse trabalho no Brasil é, sem dúvida, falar da nossa história de escravidão”, ressalta a ministra Delaíde, lembrando que o perfil demográfico dessa profissão é majoritariamente formado por mulheres negras. Segundo a pesquisa Retrato das Desigualdades, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), do IBGE, esse grupo de trabalhadas chega a 6,2 milhões de pessoas em todo o país, sendo que quase 92% (5,7 milhões) são mulheres e, em termos raciais, mais de 4 milhões são negras, quase um terço do total.
“No Brasil, o trabalho doméstico é o resquício de uma abolição não-conclusa. Ainda é uma profissão hereditária para as mulheres negras”, afirma Preta Rara, professora, historiadora e rapper, que ficou nacionalmente conhecida após criar a página “Eu, Empregada Doméstica”, no Facebook, que reúne relatos de maus-tratos, abusos, discriminação, preconceito e violações contra as domésticas praticadas pelos patrões no próprio ambiente de trabalho. Com mais de 162 mil curtidas, a página, criada em 2016, já recebeu mais de 12 mil relatos oriundos de todo o país. Por email, ela recebe uma média 10 a 15 relatos por dia até hoje. “Fui empregada doméstica durante 7 anos, assim como minha mãe e minha avó. Coisas que as duas sofreram décadas atrás, eu também sofri, mesmo em anos recentes”, revela, dizendo que essa é uma das marcas que mais dóem na profissão: a reprodução de um processo histórico de exploração.
No último ano em que trabalhou como doméstica, em 2009, na cidade de Santos (SP), Preta Rara foi proibida pela patroa de comer a comida que ela própria cozinhava na casa. “Tinha que levar minha marmita, meus talheres”. Ela também era proibida de usar o banheiro social da casa. “Uma vez, quando o banheiro da empregada estava quebrado, cheguei a ficar 8 horas sem poder ir ao banheiro. Minha patroa me flagrou usando um pote de sorvete pra urinar”, relembra.
“Existem domésticas passando por essas condições ainda hoje, impedidas de se alimentar, sem ganhar vale-refeição, impedidas de frequentar o banheiro da casa onde trabalham. São mulheres trabalhando em condições análogas à escravidão”, aponta, ao dizer que “a senzala moderna é o quartinho da empregada”.
Preta Rara lembra vários casos de cor. Conta a história de uma mulher de 23 anos, oriunda da Paraíba, mas que morava na casa dos patrões, um casal de advogados, em São Paulo. “O marido levava a esposa no trabalho e, em vez de seguir para o seu emprego, voltava pra casa e assediava a menina. Ela tinha que se trancar por dentro quando ia limpar cada cômodo. Com dois filhos pra criar na Paraíba, ela ganhava cerca de R$ 2 mil por mês na época, um valor acima da média em relação a outras domésticas, o que mantinha ela dependente daquele abuso”, relata.
Além das histórias reais publicadas na página, Preta se prepara agora para publicar um livro do projeto, mas incluindo relatos inéditos. Ela busca uma editora para lançar o “Eu, Empregada Doméstica: nossa voz ecoa”.
Atualmente, do total de 6,2 milhões de trabalhadoras domésticas no país, cerca de 24,8% (1,5 milhão) têm carteira assinada, um número que permanece relativamente estável, mesmo após a regulamentação da PEC das Domésticas, de acordo com dados do programa E-Social do governo federal de dezembro de 2017.
Segundo Mário Avelino, do Instituto Doméstica Legal, organização que atua na orientação das empregadas e patrões para garantir maior formalização no setor, haveria um déficit de formalização da situação para pouco mais de 2 milhões de trabalhadoras. As demais, cerca de 2,5 milhões, trabalham como diaristas, sem vínculo empregatício. “Em geral, nas pessoas que têm empregada doméstica, essa cultura escravagista ainda tá enraizada, por isso não formalizam”, argumenta.
De acordo com Avelino, o patrão que deixa de formalizar acreditando que tá fazendo economia se engana. “A economia do empregado informal é o que chamados de economia burra, porque, em geral, esse patrão só não paga os impostos. Muitos deles pagam férias e até 13º, mas quando abre-se um processo trabalhista, ele acaba tendo que pagar de novo algo que ele já havia pago”, explica.
“É muito mais seguro, para todos, o trabalho formal com a carteira assinada, pois garante a proteção do empregado e evita uma dívida trabalhista para o empregador”, afirma a ministra Delaíde Arantes. Para ela, o governo deveria encampar uma campanha pública de incentivo e esclarecimento sobre a importância da formalização do trabalho de empregadas domésticas.
“A gente ainda não consegue fazer valer os direitos conquistados a partir da PEC”, lamenta Preta Rara. Ela diz que recebe fotos diariamente de domésticas que se arriscam em sacadas de apartamentos para fazer a limpeza, sem qualquer equipamento de segurança. Uma das formas das trabalhadoras se protegerem é informação e empoderamento, afirma a historiadora.
Ela cita, por exemplo, o aplicativo Laudelina, lançado recentemente. O programa conta com ferramentas como uma calculadora de benefícios e uma rede de contatos. O nome do aplicativo homenageia a ativista sindical e trabalhadora doméstica, Laudelina de Campos Melo (1904-1991), fundadora do primeiro sindicato de domésticas do país, o de Campinas (SP). Preta também recomenda o “Guia da Doméstica”, material informativo e com orientações, disponível gratuitamente na internet.
As trabalhadoras domésticas também reclamam do impacto da reforma trabalhista, aprovada no ano passado, para a categoria. A lei nº 13.467/2017, que alterou diversos pontos da CLT, não incide diretamente sobre a regulação do trabalho doméstico, que tem uma lei própria (Lei Complementar nº 150), mas alguns aspectos já estão influenciando o setor.
“A questão da obrigação de homologação sindical da rescisão, que deixou de existir, causa um impacto, sim. Muitas vezes, na hora da homologação, os empregadores suprimem direitos do trabalhador e, se tiver qualquer irregularidade no FGTS, no recolhimento da previdência social, isso pode ser verificado pelo sindicato”, aponta Érica Aparecida Bernardes, do Sindicato das Domésticas de Jundiaí (SP). Ela também registra o impacto da reforma para a organização sindical, com o fim do imposto compulsório recolhido dos trabalhadores, que também afetará os sindicatos da categoria.
Para a ministra Delaíde, por estar fora da categoria abrangida pela CLT, as mudanças da reforma trabalhista não se aplicam aos trabalhadores domésticos, como é o caso dos contratos de trabalho intermitente, uma das novas modalidades em vigor. Com informações da Agência Brasil.
Via...Notícias ao Minuto
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