Mari Elizabeth Rocha representa um dos cinco magistrados civis do STM
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"Estou convicta sobre a necessidade de alteração do Código Penal Militar para apenar com rigor o tráfico de entorpecentes. É inconcebível que um militar trafique dentro de um quartel, um local onde se encontram homens armados, investidos do monopólio da força legítima pelo Estado", afirmou Maria Elizabeth ao Estado. "De um militar se exige a defesa da Pátria, dos poderes constituídos e da lei e da ordem, por isso uma conduta tão grave deve ser apenada com rigor. Lamentavelmente, a lei vigente só autoriza ao magistrado uma condenação máxima de 5 anos."
A opinião de Elizabeth tem ecos no tribunal, instância máxima da Justiça Militar federal. Além do endurecimento da pena, considerada branda, a avaliação é de que é preciso diferenciar o uso próprio de entorpecentes do tráfico de drogas.
Elizabeth representa um dos cinco magistrados civis do STM - outros 10 são militares, totalizando 15 integrantes. Única mulher a compor o tribunal desde a sua criação, em 1808, ela ganhou visibilidade durante o julgamento dos militares que fuzilaram com mais de 80 tiros o carro do músico Evaldo Rosa dos Santos, no Rio de Janeiro. A magistrada deu o único voto para manter a prisão dos envolvidos no episódio, mas foi vencida e os acusados acabaram soltos.
Sobre o caso do sargento preso ao desembarcar na Espanha, a ministra acredita que um militar "que se valeu da farda para traficar no avião de apoio da Presidência da República é algo inaceitável e revoltante". "Se ficar de fato provado que ele assim agiu, a punição deve ser rigorosa. O caso é gravíssimo", afirmou ela. O inquérito contra Rodrigues pode chegar ao STM.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou anteontem que o militar pagará um "preço alto" pelo episódio. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por sua vez, disse que "houve quebra de confiança" e que não vai "admitir criminosos entre nós".
Anacrônicas
Elizabeth lembra que o Congresso atualizou ao longo dos últimos anos o Direito Penal, mas se esqueceu de fazer ajustes também no Direito Penal Militar, resultando em leis que "se tornaram anacrônicas, defasadas pelo tempo".
Atualmente, o Código Penal Militar prevê pena de reclusão de até cinco anos tanto para o consumo e para a posse quanto para o tráfico de drogas, misturando em um mesmo artigo múltiplas situações.
A proposta do grupo de trabalho coordenado pela ministra era adequar a legislação militar à Lei das Drogas de 2006: aumentava a pena para tráfico de drogas (para até 15 anos) e abrandava a do consumo próprio (de seis meses a um ano para quem oferecesse droga para consumir com outra pessoa). "O uso de entorpecentes deve ser tratado como uma questão de saúde pública. O tráfico como uma questão de polícia e, posteriormente, de incriminação penal. A sanção deve ser rigorosa, pois está em jogo o bem estar social", afirmou ela.
Na época, a proposta do grupo de trabalho de penas mais duras para militares envolvidos em tráfico de drogas foi entregue ao deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). O texto, no entanto, não avançou, a exemplo de outras propostas que tratam sobre o endurecimento de penas para os militares. "Isso tem de ser corrigido, mas até hoje não é uma prioridade, nem do Congresso, nem dos militares, nem do Executivo", afirmou Zarattini ao Estado.
O presidente da Comissão Especial de Direito Militar da OAB-SP, Fernando Capano, disse ser favorável até mesmo a penas mais duras para um militar condenado por tráfico do que a que existe para os civis. "De um militar se espera valores mais sólidos, representa a institucionalidade de nosso País. Não tem lógica tratar condutas exatamente iguais com penas tão díspares", avaliou o advogado.
Condenação em 50% dos casos
Um levantamento feito pelo Superior Tribunal Militar (STM) aponta que houve condenação em 50% dos casos de tráfico, posse ou uso de entorpecentes julgados pela Justiça Militar da União de 2010 a 2018. Como posse, tráfico e uso de entorpecentes estão enquadrados no mesmo artigo do Código Penal Militar, o tribunal alegou que não é possível fazer a diferenciação sobre os processos de cada uma dessas situações.
O STM, no entanto, informou que a maioria dos processos diz respeito a pequenas quantidades de maconha apreendidas em quartéis, em posse dos militares. Em 20% dos casos levantados pelo tribunal houve absolvição e em 29% a punibilidade foi extinta, como nos casos de prescrição ou de morte do militar investigado. No restante dos processos, não foi possível identificar as informações, segundo o STM.
Quando as Forças Armadas são comparadas entre si, proporcionalmente, são cometidos mais crimes dessa natureza no âmbito do Exército, aponta um estudo de 2015. A maconha é a substância mais comum, mas o relatório já alertava que havia mais casos de cocaína na Aeronáutica.
'Pena que não foi na Indonésia'
O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, no Japão, que o segundo-sargento da Aeronáutica flagrado com 39 kg de cocaína na Espanha "traiu a confiança dos demais" e "lamentou" que o caso não tenha acontecido na Indonésia, onde há pena de morte nesses casos. "Aquele ali traiu a confiança dos demais. Pena que não foi na Indonésia. Ele iria ter o destino que teve no passado Marco Archer", afirmou Bolsonaro, citando o caso do brasileiro fuzilado em 2015 por tentar entrar no país asiático com 13 quilos de cocaína.
Bolsonaro disse ainda que pediu para a Aeronáutica investigar o sargento. "O que nós queremos das Forças Armadas é que seja levantada toda essa rede na qual ele está no meio dela. No meu avião, todos são revistados. O meu material é aberto antes de embarcar", afirmou.
Preso desde terça-feira (25) na Espanha, Manoel Silva Rodrigues conversou anteontem com a família, por telefone. Ele está recebendo assistência consular do Ministério das Relações Exteriores, prestado a cidadãos brasileiros no exterior. Um pedido de extradição é descartado no momento, já que não há condenação no Brasil.
Rodrigues, que é comissário de bordo, fazia parte da comitiva de 21 militares que acompanha a viagem de Bolsonaro ao Japão, onde o presidente participa do G-20. O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em que estava o militar é usado como reserva da aeronave presidencial e, portanto, a comitiva não fazia parte do voo que transportou o presidente. A droga foi achada na bagagem do sargento ao desembarcar em Sevilha, na Espanha, primeira etapa da viagem.
Após o episódio, a Aeronáutica montou um grupo de trabalho para revisar procedimentos de segurança em aeronaves militares que sirvam à Presidência ou à Força Aérea. Desde terça-feira, quando a prisão ocorreu, as bases aéreas mais estruturadas, como a de Brasília, já estão sendo mais rígidas nos controles de bagagens e nos acessos às aeronaves que dali decolam.
O Ministério da Defesa admite, nos bastidores, falha de vistoria no voo que levou Rodrigues à Europa. A justificativa para que o controle não fosse tão rígido era de que o trabalho nas instalações militares costuma se basear na relação de confiança, lealdade e probidade, considerados princípios fundamentais para a carreira nas Forças. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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