Em representação apresentada nesta quinta o subprocurador Lucas Furtado sustenta haver "fortes indícios" de que há responsabilidade direta do ministro na "alta extraordinária" da moeda americana nos últimos dias
© José Cruz/Agência Brasil |
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Ministério Público de Contas, que atua perante o TCU (Tribunal de Contas da União), pediu à corte que apure possíveis prejuízos ao país decorrentes de declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, com reflexos na cotação do dólar.
Em representação apresentada nesta quinta (28), o subprocurador Lucas Rocha Furtado sustenta haver "fortes indícios" de que há responsabilidade direta do ministro na "alta extraordinária" da moeda americana nos últimos dias.
Para ele, houve perdas ao Banco Central e ao Tesouro Nacional porque foi necessário intervir no mercado para conter a subida da cotação.
Outro problema, diz o subprocurador, foi o impacto negativo das falas na imagem internacional do Brasil, o que teria consequências no "desenvolvimento econômico e social".
Procurado pela reportagem, por meio de sua assessoria, Guedes não comentou.
Na quarta (27), o dólar subiu 0,44% e fechou o dia a R$ 4,259 na venda (dólar comercial), mesmo depois de o Banco Central ter feito sucessivos leilões para evitar a escalada. Na terça (26) e na véspera, já havia batido recordes, a R$ 4,24 e R$ 4,215, respectivamente.
Em viagem a Washington, na noite de segunda, Guedes disse que "é bom se acostumar" com juros mais baixos e câmbio mais alto por um bom tempo. Segundo ele, a alta do dólar não é um problema e suas principais consequências serão o aumento das exportações e a queda das importações.
Investidores interpretaram que o governo está confortável com o dólar acima de R$ 4,20 e viram espaço para a cotação subir mais, apostando na alta, o que eleva o valor da moeda.
O mercado avalia que a disparada da moeda americana no mês pode impactar a inflação e já projeta que não haverá novos cortes na taxa básica de juros, a Selic, em 2020.
Além de comentar sobre juros e dólar, o ministro disse que o AI-5 (Ato Institucional número 5) poderia voltar em resposta a possíveis protestos da oposição nas ruas.
Essa declaração provocou críticas diversas, entre elas as dos presidentes do Supremo, Dias Toffoli, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O Ato Institucional número 5 foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos.
Em sua representação, Furtado afirma que as perdas ao país, em decorrência das falas de Guedes, são de duas ordens.
As primeiras, mais diretas, se devem ao fato de a autoridade monetária intervir no mercado, por meio de operações como a venda à vista de moeda, para conter a alta da cotação.
Esse tipo de ação, segundo ele, reduz as reservas internacionais, impacta a dívida bruta do governo e afeta, com isso, o resultado do Tesouro.
Para o subprocurador, um segundo nível de potenciais prejuízos, ao seu ver "muito mais sensível e virtualmente prejudicial a todo o país", diz respeito "à percepção do mercado, tanto nacional como internacional, acerca da instabilidade institucional e do ambiente de negócios, diante das declarações da principal autoridade econômica do Brasil, ao invocar a sombra do autoritarismo, da repressão e do Estado antidemocrático, representado pelo AI-5".
Ele pede que esse aspecto seja tratado no parecer sobre as contas do governo Jair Bolsonaro, referentes a 2019. Quanto às perdas diretas ao BC e ao Tesouro, requer medidas para quantificar o dano supostamente decorrente das declarações de Guedes e, se for o caso, responsabilizá-lo.
O TCU abrirá um processo para avaliar se dará ou não continuidade à investigação solicitada por Furtado.
Se entender, ao fim da tramitação, que Guedes deu causa a prejuízos, ele pode ser condenado ao ressarcimento do débito apurado, além de sofrer sanções como multas e, em casos mais graves, a inabilitação para o exercício de funções públicas.
O subprocurador pondera que deve-se considerar outros fatores com influência sobre a cotação do dólar, tais como a perspectiva de crescimento do PIB em percentual ínfimo e o desinteresse internacional no mercado brasileiro, demonstrado no fracasso dos leilões de áreas do pré-sal.
"Importante, portanto, que se investigue o nível de responsabilidade, cabendo às áreas técnicas do TCU que vierem a analisar a questão atentar para esses outros fatores, de modo a aquilatar com precisão o que eventualmente decorre diretamente da fala do ministro, expungindo o que não deriva de sua ação e tem origem no comportamento natural do mercado", escreveu.
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