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segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Defesa de autoritarismo pelo governo Bolsonaro preocupa demais Poderes

O Legislativo e o Judiciário estão em clima de desconfiança com o governo

© Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os reiterados flertes do governo Jair Bolsonaro com símbolos autoritários ampliaram o clima de desconfiança no Legislativo e no Judiciário e reforçaram a avaliação nesses dois Poderes de que a estabilidade e a segurança jurídica e institucional do país dependem, cada vez mais, do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal) -e menos do Palácio do Planalto.

A reação imediata dos presidentes do Supremo, Dias Toffoli, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à fala do ministro Paulo Guedes (Economia) sobre o AI-5 teve caráter quase que pedagógico, avaliam congressistas e ministros das cortes superiores.
A Folha de S.Paulo apurou que mais do que reforçar a defesa da democracia, Toffoli e Maia atuaram para estabelecer limites, freando a escalada da retórica autoritária do governo."O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado", disse o presidente do Supremo, na terça-feira (26), em Maceió.
No dia seguinte, na quarta (27), em um evento no STJ (Superior Tribunal de Justiça), Toffoli afirmou que "a Justiça Federal é uma das grandes garantidoras do Estado democrático de Direito brasileiro".
"Se hoje temos uma democracia forte, isso se deve, em grande medida, à atuação do Poder Judiciário no reconhecimento e na reafirmação dos direitos das pessoas", disse.
"Nunca é demais lembrar que a democracia deve ser diuturnamente defendida e reafirmada por todos nós, como o grande legado das gerações passadas e presentes desse país. Um legado que não admite retrocessos."
À Folha de S.Paulo o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), afirmou que "o Congresso, o Judiciário e a sociedade brasileira jamais faltarão com a democracia". "Não há mais espaço para regimes autoritários no nosso país. Só quem não tem memória poderia apoiar algo dessa natureza", disse.
Na terça, Maia disse que o uso recorrente dessas ameaças por integrantes da gestão Bolsonaro gera insegurança sobre o intuito do governo.
"Tem que tomar cuidado, porque se está usando um argumento que não faz sentido do ponto de vista do discurso, e, como não faz sentido, acaba gerando insegurança em todos nós sobre qual é o intuito por trás da utilização de forma recorrente dessa palavra", afirmou o presidente da Câmara.
A declaração de Guedes, na segunda (25), de que não é possível se assustar com a ideia de alguém pedir o AI-5 diante de uma possível radicalização dos protestos de rua no Brasil foi recebida, de imediato, com certo grau de descrença por integrantes do Congresso.
A primeira reação de muitos deputados e senadores foi a de desconfiar da possibilidade de Guedes ter acenado ao ato editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985).
Em seguida, diante da veracidade das falas, até mesmo congressistas alinhados à agenda de Bolsonaro disseram que o chefe da Economia havia pecado por ter extrapolado aquela que seria a sua principal função, a de ficar calado por ofício.
Um deputado da base do governo disse à Folha, em tom de ironia, que Guedes não pode nem escolher se seu café será servido com ou sem açúcar. Seu dever, afirmou, é o de trabalhar pela estabilidade a qualquer custo.
Embora Bolsonaro não tenha comentado a declaração do auxiliar, limitando-se a dizer que o papel de Guedes é o de cuidar da política econômica, o presidente demonstrou contrariedade em conversas reservadas.
De acordo com relatos feitos por aliados, Bolsonaro teria ficado irritado por ter de voltar ao assunto que havia provocado uma crise há menos de um mês, quando seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou que, se a esquerda radicalizasse no Brasil, como ocorria nos protestos no Chile naquele momento, era preciso "ter uma resposta que pode ser via um novo AI-5".
A versão de que a fala de Guedes desagradou o presidente foi repassada a deputados e senadores que procuravam os parlamentares mais próximos a Bolsonaro.
O líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), disse a colegas no plenário da Casa que o Planalto recebeu muito mal a declaração do ministro da Economia.
Um auxiliar do alto escalão de Bolsonaro afirmou à Folha, na condição de anonimato, que o episódio com Eduardo já havia tirado o presidente do sério. Na ocasião, segundo ele, além de repudiar a fala publicamente, ele teria dado "um pito" no filho.
Mesmo assim, uma ala do Congresso não comprou a versão de que Guedes estaria desconectado da agenda do Planalto. Para esse grupo, o ministro apenas tornou público um desejo de Bolsonaro.
Para esses congressistas, o governo estaria tentando provocar manifestações nas ruas para, entre outros pontos, subir de patamar no uso da violência e, consequentemente, gerar uma crise institucional.
A tese foi reforçada pelo fato de o presidente ter enviado ao Congresso, dias antes, um projeto de lei para isentar de punição militares e policiais envolvidos em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em atos considerados de legítima defesa.
Para outro grupo, Guedes teria se agarrado ao AI-5 para justificar derrotas de sua agenda, como o adiamento da reforma administrativa.
Nesse contexto, líderes de partidos de centro se juntaram à oposição para tentar convocar Guedes a prestar esclarecimentos na Câmara. Venceu, porém, a avaliação de que esticar a corda só traria prejuízos ao país e intensificaria o clima de polarização política.
Uma ala do Congresso atuou para esfriar os ânimos, defendendo que a declaração do ministro foi tirada de contexto e que ele teria recuado. Na terça, Guedes pediu uma "democracia responsável" no país.
Na Câmara, líderes partidários passaram a defender que a resposta às seguidas referências do governo a medidas arbitrárias venha por meio de uma punição a Eduardo no Conselho de Ética da Casa. O colegiado abriu na terça processos contra o deputado.
Frases antidemocráticas têm sido pauta quase constante no governo. O próprio presidente afirmou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, em março, que "não houve ditadura no Brasil". E que, como qualquer casamento, o regime teve alguns "probleminhas".
Nesse contexto, Bolsonaro tem intensificado a escalada contra veículos da imprensa, entre os quais a Folha.
Em setembro, por exemplo, o presidente publicou medida provisória que revogava a obrigação de publicação de atos oficiais de licitações públicas em jornais. No início do mês, o ato foi derrubado por comissão do Congresso.
AI-5
Na última segunda (25), o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que não é possível se assustar com a ideia de alguém pedir a volta do AI-5, o mais conhecido ato da ditadura. No fim de outubro, Eduardo Bolsonaro já havia dito que um novo AI-5 era uma possibilidade diante de eventual radicalização da esquerda.
Projeto de lei
O presidente enviou ao Congresso proposta para isentar de punição militares e policiais envolvidos em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), em atos considerados de legítima defesa.
Imprensa
O presidente intensificou os ataques à imprensa, como ao incitar boicote a anunciantes da Folha de S.Paulo.
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