A criação do juiz das garantias, medida sancionada pelo presidente, tira das mãos do juiz Flávio Itabaiana uma eventual ação penal contra o senador Flávio Bolsonaro
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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A criação da figura do juiz das garantias, sancionada por Jair Bolsonaro no pacote anticrime, tira das mãos do juiz Flávio Itabaiana uma eventual ação penal contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente da República, afirmam especialistas.
O magistrado foi alvo de críticas da família presidencial na semana passada, após deferir 24 mandados de busca e apreensão na investigação que apura a prática da "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Um dos alvos foi a loja de chocolate do senador.
Considerado um dos mais "linha dura" do Rio de Janeiro, Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, só poderá atuar até o recebimento de uma eventual denúncia contra o senador e seus ex-assessores.
Até mesmo os atos judiciais durante a investigação podem mudar de mãos, a depender de como o Tribunal de Justiça do estado vai organizar a distribuição dos inquéritos e ações penais.
Contrariando o ministro Sergio Moro (Justiça), Bolsonaro manteve a figura do juiz das garantias ao sancionar o pacote anticrime aprovado no Congresso. O magistrado será o responsável por atuar desde a fase de investigação até o recebimento da denúncia.
Ele poderá deferir pedidos da polícia ou do Ministério Público para quebras de sigilos, prisões preventivas, entre outras medidas cautelares. Mas não poderá atuar na ação penal, que inclui o interrogatório e o julgamento da causa.
É um cenário distinto do atual, em que o juiz que autoriza atos durante a investigação é o mesmo que julga os acusados. A lei tem validade a partir do dia 24 de janeiro.
A investigação contra Flávio Bolsonaro já contou com quatro decisões de Itabaiana. Desde abril deste ano, quando foi sorteado para atuar no processo, ele deferiu quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e cumprimentos de mandado de busca e apreensão, além do envio, pela Receita Federal, de notas fiscais em nome do senador e outros investigados.
O magistrado passou a ser alvo de críticas mais duras na semana passada, quando foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão na investigação, entre eles a loja de chocolates do senador.
Flávio disse que o juiz "virou motivo de chacota no Judiciário" fluminense. Também vinculou Itabaiana ao governador Wilson Witzel (PSC), atual rival político, citando o fato de sua filha estar empregada na Secretaria Estadual da Casa Civil. No dia seguinte, o presidente também reproduziu a crítica.
"Você já viu o Ministério do Público do Rio de Janeiro investigar qualquer pessoa ou ato de corrupção, qualquer deslize de agente público do estado? É o estado mais corrupto do Brasil. Vocês perguntaram para o governador Witzel por que a filha do juiz Itabaiana está empregada com ele? E pelo o que parece, não vou atestar aqui, é funcionária fantasma. Já foram em cima do Ministério Pública para ver se vai investigar o Witzel?", disse o presidente.
O professor de direito processual penal Gustavo Badaró, da USP, favorável à medida, afirma que Itabaiana estará impedido de atuar numa eventual ação penal contra Flávio.
"A lei determina que o juiz que atuar na investigação não poderá continuar no caso após o recebimento da denúncia. Isso impede o juiz Itabaiana de atuar no caso na ação penal", disse ele.
O mesmo entendimento tem o advogado criminalista Breno Melaragno, presidente da comissão de Segurança Pública da OAB.
"Há uma vedação legal para a atuação do juiz que deferiu medidas durante a investigação", afirmou ele.A lei delegou aos tribunais a responsabilidade para organizar a distribuição dos processos em fase de inquérito e as ações penais em curso.
Uma das possibilidade é que o sorteio da condução do inquérito seja mantido, e haja nova livre redistribuição após o recebimento da denúncia, excluindo o juiz que atuou na investigação –no caso de Flávio, o juiz Itabaiana.
Há também a opção de se criar varas especializadas para a condução de inquéritos –uma espécie de "varas das garantias", que não é exigida pela lei–, cujos magistrados atuariam apenas no acompanhamento das investigações.
Neste caso, a depender da regra estabelecida pelo TJ-RJ, Itabaiana seria obrigado a enviar o processo de investigação do caso Flávio a esse grupo.
Itabaiana é conhecido como um juiz "linha dura" no tribunal. Em dezembro de 2014, os ativistas Caio Silva, Fábio Raposo e Igor Mendes da Silva levantaram as algemas na sala da 27ª Vara Criminal e gritaram a colegas presentes à audiência: "Não passarão!".
"Vocês não estão na rua. Quem manda aqui sou eu", gritou o magistrado.
Aquele era o auge das rusgas entre o magistrado e ativistas das manifestações de junho de 2013 acusados de associação criminosa e corrupção de menores.
Os atritos começaram seis meses antes, quando Itabaiana mandou prender preventivamente 23 membros do grupo, sendo a mais conhecida a produtora Elisa Quadros, a Sininho.
Aquela decisão tornou o magistrado alvo de partidos de esquerda. Os deputados federais Jandira Feghali (PC do B), Ivan Valente, Jean Wyllys e Chico Alencar (todos do PSOL) fizeram reclamação formal ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em razão da determinação daquelas prisões preventivas.
À época, para aqueles parlamentares, o magistrado abusou de seu poder para "reprimir delitos imaginários forjados pelos aparatos da repressão governamental".
A resposta de Itabaiana foi a seguinte: "O objetivo claro dessa ação é me intimidar. Aliás, está para nascer homem que irá me intimidar", afirmou ele à época, em nota. O caso acabou arquivado no CNJ.
Na investigação contra Flávio, Itabaiana já deferiu as quebras de sigilo bancário e fiscal de 107 pessoas físicas e jurídicas, e telefônico de 29 pessoas.
A apuração corre no Ministério Público desde janeiro de 2018, quando o antigo Coaf, órgão federal hoje rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) e ligado ao Banco Central, enviou espontaneamente um relatório indicando movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia Legislativa do Rio.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
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