Aung San Suu Kyi parecia estar bem de saúde durante sua apresentação ao tribunal na capital do país, Naypyitaw
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Suu Kyi, 75, parecia estar bem de saúde durante sua apresentação ao tribunal na capital do país, Naypyitaw. "Eu vi Amay no vídeo, ela parece saudável", disse a advogada Min Min Soe à agência de notícias Reuters, usando um termo afetuoso que significa "mãe" para se referir à sua cliente.
A audiência ocorreu em um momento de escalada de violência em Mianmar. Desde a semana do golpe, milhares de manifestantes têm se reunido diariamente para protestar contra as Forças Armadas e para pedir a libertação das mais de 1.100 pessoas detidas pelos militares -dados da Associação de Proteção a Presos Políticos de Mianmar.
Neste domingo (28), ao menos 18 pessoas morreram durante a repressão aos protestos coordenada pelos militares. As forças de segurança do país vêm usando balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar os atos. Não param de crescer, entretanto, os relatos sobre o uso de munição letal contra os civis, o que desperta a memória do país sobre o violento histórico de reação a opositores.
Em um discurso transmitido pela televisão estatal, o chefe das Forças Armadas, general Min Aung Hlaing, disse que os líderes dos protestos e os "instigadores" continuarão sendo punidos, assim como funcionários públicos que se recusarem a trabalhar para o novo regime -movimentos grevistas têm se organizado contra os militares, de modo que vários serviços do país estão prejudicados.
O Exército também está investigando supostos crimes financeiros cometidos pelo governo civil. Segundo o general, as autoridades depostas fizeram mau uso do dinheiro destinado aos esforços de prevenção contra a Covid-19 e serão investigadas por corrupção.
Suu Kyi é um dos alvos do inquérito. O motivo de sua detenção foi uma acusação obscura segundo a qual ela teria importado ilegalmente seis walkie-talkies. Dias depois, ela também foi acusada de uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus.
Nesta segunda-feira, de acordo com sua equipe de defesa, a líder civil recebeu mais duas acusações criminais formais. A primeira por ter supostamente violado uma lei de telecomunicações que estipula licenças para equipamentos.
A segunda, que remete ao código penal escrito ainda no período colonial de Mianmar, a incrimina por publicar informações que podem "causar medo ou alarme", o que seria proibido pela lei. Pouco antes de ser presa, e já temendo um possível golpe, Suu Kyi publicou um comunicado que foi interpretado como uma convocação para a realização de protestos contra as Forças Armadas.
"As ações dos militares são atos para colocar o país novamente sob uma ditadura. Peço às pessoas que não aceitem isso, que respondam e protestem de todo o coração contra o golpe dos militares", escreveu a conselheira, na ocasião.
Segundo críticos ao regime, as acusações foram forjadas. Suu Kyi deve ser submetida a uma nova audiência em 15 de março.
Enquanto isso, as ruas das principais cidades do país continuam sendo tomadas pelos manifestantes, a despeito da violência da repressão. Segundo o gabinete de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a polícia disparou contra a multidão em vários lugares, matando 18 pessoas.
O levantamento da ONU já torna este domingo (28) o dia mais violento desde que os protestos começaram, mas o número de vítimas pode ser ainda mais alto. Segundo um comitê formado por legisladores eleitos no ano passado -e impedidos pelo golpe de assumir os cargos-, houve 26 mortos nos protestos, mas a informação não pôde ser confirmada de maneira independente pelas agências de notícias internacionais.
"Temos que continuar o protesto, não importa o que aconteça", disse o manifestante Thar Nge à Reuters, pouco depois que ter sido alvo de bombas de gás lacrimogêneo que o obrigaram a abandonar uma barricada erguida em uma rua de Rangoon, a maior cidade do país.
O golpe e a repressão aos dissidentes que o sucedeu continua atraindo críticas da comunidade internacional. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que os Estados Unidos condenam "a violência abominável das forças de segurança" mianmarenses e que continuarão "a promover a responsabilização dos responsáveis".
"Encorajamos todos os países a falarem uma só voz em apoio à vontade do povo", escreveu Blinken no Twitter.
O ministro das Relações Exteriores do Canadá, Marc Garneau, também fez declaração semelhante e acusou os militares de Mianmar de recorrerem a uma "violência terrível, incluindo força letal, contra seu próprio povo".
"Nenhum regime que use força para suprimir o desejo democraticamente expresso de seu povo pode ser legitimado", escreveu Garneau.
"O povo de Mianmar quer que suas vozes sejam ouvidas e estão mostrando uma grande bravura em resposta a essa brutalidade", disse Dominic Raab, chefe da diplomacia britânica. "A comunidade internacional deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para pressionar o fim da violência, libertar os detidos arbitrariamente e restaurar o governo eleito".
Os chanceleres dos países-membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) -grupo formado por Mianmar, Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Filipinas, Tailândia, Singapura e Vietnã- devem se reunir nesta terça-feira (2) para traçar uma rota de retorno ao regime democrático, disse a chanceler de Singapura, Vivian Balakrishnan.
Ela se juntou ao grupo de autoridades que pedem o fim do uso de munição letal contra os manifestantes e a liberdade de Suu Kyi e de outros presos políticos.
Para Tom Andrews, enviado da ONU a Mianmar, "o que o mundo está vendo em Mianmar é ultrajante e inaceitável. Palavras de condenação são bem-vindas, mas insuficientes".
Em um comunicado direcionado aos países-membros ao Conselho de Segurança da entidade, ele sugeriu ações práticas como um embargo de armas, mais sanções aos militares e a conglomerados empresariais que os financiam e um recurso ao Tribunal Penal Internacional.
O Exército vem tentando usar supostas acusações de fraude no pleito como justificativa para a tomada de poder. Os militares também acrescentaram à narrativa o argumento de que a comissão eleitoral do país usou a pandemia de coronavírus como pretexto para impedir a realização de uma campanha justa. Dizem ainda que agiram de acordo com a Constituição e que a maior parte da população apoia sua conduta, acusando manifestantes de incitarem a violência.
A Liga Nacional pela Democracia (LND), partido de Suu Kyi, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento nas últimas eleições em Mianmar, realizadas em novembro do ano passado. A legenda, entretanto, foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.
CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR
1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
2008: Assembleia aprova nova Constituição
2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado
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