Transformar uma via de mão única em dupla. Estender a calçada, nem que seja só com uma pintura no chão, para o espaço onde antes estavam os carros
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Tornar uma faixa estreita a ponto de o motorista não se sentir seguro para acelerar. Substituir o asfalto por paralelepípedo. Transformar uma via de mão única em dupla. Estender a calçada, nem que seja só com uma pintura no chão, para o espaço onde antes estavam os carros.
Medidas como essas não costumam agradar motoristas, que se veem forçados a pisar no freio. Mas têm sido tomadas como forma de acalmar o tráfego e baixar o número de acidentes e mortes no trânsito no mundo todo, inclusive em São Paulo.
A alta velocidade é tida como um dos principais fatores de risco no trânsito, além do uso de álcool associado à direção e da falta de cinto de segurança e capacete, segundo cientistas e a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Além da perda humana, as mortes no trânsito brasileiro têm alto impacto também na economia. Segundo estudo do Ipea do fim do ano, o Brasil gasta R$ 132 bilhões por ano com acidentes de transporte.
Desde que prefeitos em São Paulo começaram sistematicamente a baixar as velocidades máximas permitidas nas ruas da cidade em 2011, há dez anos, o número de mortes no trânsito caiu quase pela metade, chegando a 765 no ano passado, segundo dados do governo paulista.
Na visão de especialistas, se a cidade quiser baixar ainda mais esses números, é preciso tomar medidas mais ousadas além de multar motoristas que conduzem a velocidades acima do permitido.
"Reduzir velocidades para 50 km/h e fazer fiscalização trouxe a gente para esse patamar que algumas cidades atingiram de 6 mortes no trânsito a cada 100 mil habitantes", diz, elogiando os avanços na última década, Eduardo Pompeo, gerente de programas da Iniciativa Global de Desenho de Cidades da Nacto, organização norte-americana especializada em desenho urbano.
"Se quisermos baixar mais ainda, dependeremos de ações mais contundentes, abrangentes e sofisticadas", completa. A saída, diz ele, é redesenhar o modo como as ruas são construídas.
Entre as estratégias, estão pontos como tornar cruzamentos mais compactos, para que os motoristas tenham que reduzir a velocidade ao virar uma rua, além de implementação de lombadas e travessias elevadas.
Isso não significa que é preciso colocar quarteirões abaixo e construir do zero. "A gente não vê, mas nossas ruas são renovadas frequentemente, por exemplo com recapeamentos. A gente precisa adotar padrões de desenho que tenham como princípio trazer segurança", diz Pompeo.
Ele usa vias opostas da cidade como exemplos. "Lugares com dominância grande do carro, com avenidas largas, muitas faixas e pouca atividade urbana ao redor passam uma mensagem para os motoristas de que está tudo bem acelerar naquele lugar. Podemos pensar nas marginais, em São Paulo", diz.
"Já ruas mais estreitas, com muita gente circulando, a pé ou de bicicleta, passam a mensagem oposta. Um exemplo é a rua Avanhandava [região central]. Nem que você queira, consegue acelerar em uma rua como aquela", diz.
A gestão Bruno Covas (PSDB) lançou no fim do último ano o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, que orienta o poder público sobre como acalmar o trânsito. O manual fala, entre outras coisas, construção de avanços da calçada, ampliação de ciclovias e redução da largura da faixa de rolamento para moderar o tráfego.
"Por estimularem o comportamento seguro dos motoristas, essas ações contribuem para a redução da velocidade dos veículos automotores (carros, motos, ônibus e caminhões), diminuindo o risco de atropelamentos e colisões e, assim, criando um ambiente mais favorável e seguro aos usuários mais vulneráveis –pedestres, ciclistas e motociclistas", diz o texto.
Uma série de ruas na cidade têm passado por intervenções nos últimos anos para virar as chamadas áreas calmas, com velocidades menores e estrutura para evitar acidentes, protegendo os pedestres.
O cruzamento das ruas Salete e Dr. Cesar, em Santana (zona norte), por exemplo, era daqueles em que os pedestres levavam um bom tempo para atravessar. Em 2018, as calçadas foram alargadas, uma rotatória foi criada e sinalização foi colocada no local.
Há 27 anos trabalhando num comércio bem naquela esquina, Marilucia Gonçalves, 47, diz que os acidentes ali ficaram bem menos constantes. "O pessoal vinha rápido e tinha muita batida nesse cruzamento. Agora, o pessoal tem que desacelerar", afirma.
Funcionária de uma loja, Michele Santos, 37, diz que muitos veículos dão um jeito de desrespeitar a sinalização e passam em velocidade superior ao permitido.
Parte dos canalizadores de tráfego –postes colocados no chão para alargar a calçada– também já está amassada ou foi retirada. Segundo usuários da rua, vários deles foram atingidos por carros.
Também não são raros os pedestres que atravessam fora da faixa. No geral, porém, a maioria diz que a vida ali ficou mais fácil.
No fim do ano, já em meio à pandemia da Covid-19, a ladeira Porto Geral, na região da 25 de Março, no centro, ganhou um "puxadinho" da calçada no asfalto, pintado de verde.
Em 2018, a rua dos Pinheiros, no bairro de mesmo nome, também cedeu parte do asfalto, especialmente próximo aos cruzamentos, para dar lugar a uma calçada estendida. A medida ajudou tanto a aliviar a movimentada calçada da rua com comércios e restaurantes quanto a desacelerar os carros.
Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do WRI Brasil , afirma que tendência mundial para reduzir acidentes de trânsito é desenhar a estrutura viária para compensar erros humanos, uma estratégia batizada como visão zero, em prática na Suécia desde a década de 1990.
"A visão zero está baseada no fato de que as pessoas erram. Numa intersecção, o motorista tem que tomar múltiplas decisões. Pensar nos ciclistas, pedestres, semáforos. Invariavelmente o sujeito vai acabar errando. Como posso reduzir esses erros?", diz.
"O sucesso é conseguir fazer alguma coisa para reduzir os erros e, acontecendo os erros, que a pessoa não morra. O desenho de uma boa via é aquela que perdoa os erros, não pune com a morte", completa.
Importante parte deste trabalho se dá nos cruzamentos, onde acontece a maioria dos acidentes. Em muitos casos, as vias são resenhadas e estreitadas para alargar as calçadas e forçar o motorista a frear antes da faixa. De quebra, os pedestres ficam mais visíveis e correm menos risco.
No Brasil, Fortaleza (CE) desenvolveu um trabalho importante neste sentido. A cidade bateu meta da ONU (Organização das Nações Unidas) e conseguiu diminuir pela metade as mortes no trânsito, que passaram de 14,9 por 100 mil habitantes para 7,4.
Especialista em transporte, Lindau cita exemplos bem-sucedidos em cidades asiáticas. "Tóquio foi a minha Disneylândia. É impressionante caminhar em por lá e ver o olhar clínico no tratamento das vias e adoção de baixas velocidades. O resultado é que Tóquio tem 1,3 mortes por 100 mil habitantes."
Especialistas afirmam que embora a redução de velocidades tenha espaço central na prevenção de mortes no trânsito, acidentes envolvem uma equação complexa e, nessa conta, entraram também avanços tecnológicos nos veículos nas últimas décadas, como os freios ABS e o airbag, e a aplicação de leis.
Aprovada em 2008, a Lei Seca, que aumentou as penas para pessoas que bebem e dirigem, é considerada um marco na legislação de trânsito do país, ao punir com prisão motoristas embriagados.
Já há iniciativas que pretendem tornar ainda mais difícil para os motoristas beberem e dirigir. Na Câmara, há um projeto de lei do deputado Bosco Costa (PL-SE) que torna obrigatória a instalação de bafômetros nos veículos. Pela proposta, os veículos só dariam partida após o teste.
Além disso, a evolução da tecnologia pode ajudar na equação, como carros autônomos que são programados para seguir as leis de trânsito.
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