O nome de Barros foi citado em depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que foi ouvido pela CPI nesta sexta-feira (25)
© Pablo Valadares / Agência Câmara |
BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A situação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se complicou após o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), entrar no centro das apurações da CPI da Covid no Senado sobre supostas irregularidades na compra da vacina Covaxin.
O nome de Barros foi citado em depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que foi ouvido pela CPI nesta sexta-feira (25), ao lado de seu irmão Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da Divisão de Importação do Ministério da Saúde.
Bolsonaro, que está há dois anos e meio no cargo e pretende disputar a reeleição, sofreu um dos mais fortes reveses até aqui. Com os novos fatos, ele ganha protagonismo nos trabalhos do colegiado criado para investigar responsabilidades do Executivo no descontrole da pandemia da Covid-19.
O presidente, que enfrenta o momento de menor popularidade de seu mandato –com aprovação de 24% dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha de maio–, sofre pressão também de manifestações de rua que pedem seu impeachment e o responsabilizam pelos mais de 500 mil mortos deixados pelo vírus.
A oposição quer aproveitar o contexto para intensificar o plano de ataque ao governo, travando votações no Congresso, reforçando as mobilizações e aumentando a cobrança sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que analise os mais de cem pedidos de impeachment na Casa.*
O que disse o deputado Luis Miranda (DEM-DF) à CPI?
No depoimento, ele afirmou ter alertado o presidente Jair Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin, vacina indiana contra a Covid-19. O encontro, segundo o congressista, teria ocorrido no dia 20 de março. A conversa com o presidente teria sido presencial. Segundo relato de Miranda, Bolsonaro teria ligado o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), às supostas irregularidades.
Quem é Luis Miranda?
Quando ainda não era deputado, Miranda fazia sucesso nas redes sociais dando dicas de como empreender e conseguir o visto de permanência nos Estados Unidos, onde morava desde 2014. Foi eleito em 2018 mesmo sem morar em Brasília havia quatro anos. Na Câmara, desde o início, defendia o governo Bolsonaro.
O que disse o Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado?
Luis Ricardo Fernandes Miranda é chefe da divisão de importação da pasta. Ele relatou ao MPF (Ministério Público Federal) ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato. O depoimento, dado em 31 de março, foi revelado pela Folha.
Que acusações podem pesar sobre Bolsonaro?
A declaração pública do deputado Luis Miranda de que avisou pessoalmente a Bolsonaro da suspeita de corrupção sugere que o presidente possa ter cometido crime de prevaricação, por não ter acionado a Polícia Federal. O crime ocorre quando o agente público não toma as decisões e medidas corretas em defesa do bem público.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou neste sábado (26) que acionará a PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o órgão investigue o presidente por crime de prevaricação. Ele pretende protocolar uma notícia-crime na segunda-feira (28).
"Esse crime é, até aqui, o mínimo a ser investigado. Eu tenho certeza que a CPI vai apurar muito mais além disso", afirmou o senador.
Após o recebimento de uma notícia-crime, é feita uma apuração preliminar. Se a PGR entender que há, de fato, indícios do cometimento de crime a exigir o aprofundamento da investigação, um pedido de inquérito é feito ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A oposição ao governo diz que a omissão do presidente mostra que ele agiu de acordo com interesses pessoais e políticos.
A Polícia Federal informou que nunca abriu procedimento para apurar as suspeitas sobre a negociação dos imunizantes.
Os senadores do grupo majoritário da comissão, formado por oposicionistas e independentes, avaliaram que, se forem comprovados ilícitos na negociação de compra da vacina, Bolsonaro pode responder por prevaricação independentemente de ter acionado ou não a PF ao saber das denúncias.
Segundo esse entendimento, a prevaricação já estaria bem definida pelo fato de que o Ministério da Saúde não rompeu o contrato com a Precisa Medicamentos, apesar do atraso na entrega das vacinas –nenhum lote acordado foi cumprido e a imunização ainda nem tem autorização definitiva da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)– e dos indícios de irregularidade.
Ainda não está claro se houve pagamentos ou vantagens ilícitas para membros do governo ou aliados.
Outras hipóteses são levantadas?
Senadores da CPI consideram que há indícios de crimes de advocacia administrativa –usar a máquina pública em favor de entidades privadas.
Os integrantes da comissão querem averiguar se o presidente teve papel ele próprio na pressão para liberar a Covaxin. Para isso, vão tentar mapear a origem das ordens. O objetivo é verificar se há ligação entre a atuação da alta cúpula da Saúde e integrantes do Palácio do Planalto.
A hipótese de advocacia administrativa é embasada no fato de que o presidente enviou uma carta ao primeiro-ministro indiano Narendra Modi pedindo os "bons ofícios" na liberação de doses da vacina AstraZeneca, ocasião na qual também citou a Covaxin –que ainda não figurava no rol das imunizações preferenciais do Brasil.
A carta foi enviada enquanto o sócio-administrador da Precisa, Francisco Maximiano, estava no país asiático negociando a compra da Covaxin.
Não há consenso na CPI, por outro lado, em relação ao crime de corrupção. Uma ala do grupo majoritário defende que haverá corrupção somente com o pagamento feito pelo Ministério da Saúde para a Precisa Medicamentos, o que ainda não foi feito.
Em uma outra vertente, os senadores afirmam que o privilégio dado para a Covaxin, em um momento em que outras vacinas foram negligenciadas, em declarações públicas do próprio presidente, também caracteriza uma omissão e crime contra a saúde pública.
As informações podem embasar um processo de impeachment?
Na visão de senadores da CPI da Covid, há elementos para atribuir ao presidente crime de responsabilidade, condição básica para a abertura de um processo de impeachment. Além da suspeita de prevaricação, as hipóteses de omissão e crime contra a saúde pública são consideradas graves, porque as ações atentam contra um direito constitucional dos brasileiros, o direito à saúde.
Líderes da oposição decidiram incluir o caso Covaxin em um superpedido de impeachment que será apresentado na quarta-feira (30). Dirigentes de partidos e movimentos contrários ao presidente enxergam no episódio potencial para reforçar a pressão pelo afastamento do mandatário.
A representação conjunta reúne mais de 100 pedidos de impeachment feitos por siglas, políticos e grupos de oposição, além de parlamentares que se arrependeram de ter apoiado o presidente, como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP).
A área jurídica que elabora o superpedido de impeachment encontrou um dispositivo na legislação que contempla a prevaricação como elemento que pode fundamentar um processo de deposição do titular da Presidência da República.
"Não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados" é uma das situações listadas na Lei do Impeachment (Lei 1.079, de 1950) como afronta à probidade na administração, o que é um dos motivos suficientes para o afastamento de um presidente.
Para o advogado Mauro Menezes, que é ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência e faz parte do grupo que prepara o documento, a postura de Bolsonaro pode ser configurada como crime de responsabilidade. A prevaricação também está prevista no artigo 319 do Código Penal.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), passou a sofrer pressão ainda maior para que paute um dos pedidos apresentados na Casa. Lira, eleito para o comando da Câmara com o apoio do governo, tem se mostrado resistente a dar andamento ao processo e disse ao longo da semana que faltava "circunstância política" para isso. A abertura do impeachment depende de uma decisão monocrática do presidente da Câmara.
A denúncia pode insuflar atos de rua contra Bolsonaro?
Sim. Manifestações isoladas já foram registradas no país neste sábado (26), mas os movimentos e partidos engajados nas mobilizações nacionais contra o presidente já anunciaram que vão incorporar as denúncias às pautas de seu próximo protesto.
As organizações que lideram os atos, reunidas no fórum Campanha Nacional Fora Bolsonaro, decidiram em reunião de emergência neste sábado adiantar para o próximo sábado (3) os atos que estavam marcados inicialmente para o dia 24 de julho.
A previsão é usar as manifestações de rua para reforçar a bandeira do impeachment. O ato do dia 24, no entanto, não foi desmarcado pelas forças da oposição, que executam um calendário prolongado de manifestações pela saída do presidente, pela aceleração da vacinação e por outras causas.
Os grupos já organizaram dois protestos, em cidades do Brasil e do exterior, em 29 de maio e 19 de junho, com milhares de participantes. Para quarta-feira (30), também está sendo preparado um protesto durante a apresentação do superpedido de impeachment, em Brasília.
Como a citação de Bolsonaro afeta o discurso do presidente?
A suspeita de irregularidade na negociação para a compra da vacina Covaxin trincou o discurso anticorrupção que o presidente ostenta apesar de investigações que têm seus filhos e ministros como alvo.
A retórica do combate à corrupção foi adotada desde a campanha eleitoral de 2018 e atraiu para Bolsonaro o apoio de simpatizantes da Lava Jato. Depois de eleito, o presidente levou para o Ministério da Justiça e Segurança Pública o juiz-símbolo da operação, Sergio Moro. Ele, no entanto, deixou o cargo após um ano e quatro meses, em conflito com Bolsonaro e acusando o presidente de interferência política na Polícia Federal.
Já em meio às suspeitas do caso Covaxin, Bolsonaro repetiu o discurso de que "o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação sequer de corrupção". Na quinta-feira (24), o presidente afirmou que tem o compromisso de determinar apuração "se algo estiver errado". "Mas, graças a Deus, até o momento, não temos um só ato de corrupção. Quem podia esperar isso daí?"
O que o governo disse até agora sobre o assunto?
O Planalto reagiu na quarta-feira (23) escalando um dos investigados pela CPI para explicar o caso Covaxin –Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde–, mas sem conseguir rebater o eixo das suspeitas.
Senadores governistas da CPI afirmaram na quinta-feira (24) que o presidente pediu que o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios.
Também na quinta, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República) divulgou uma sequência de tuítes elogiosos ao governo e com acusações aos denunciantes.
"Ao contrário do alardeado, não houve superfaturamento nem favorecimento", diz uma das mensagens publicadas nas redes sociais.
"Toda a narrativa divulgada pelo deputado, acolhida e propagada exaustivamente pela imprensa tem como base um documento com ERROS, e que apresenta fortes indícios de ADULTERAÇÃO (será periciado)", afirma outra mensagem da assessoria de comunicação da Presidência.
A sequência de tuítes continua afirmando que "por algum motivo escuso, aparentemente, um servidor ou adulterou documento ou identificou um erro que logo foi corrigido e, mesmo assim, utilizou o documento errado para criar uma narrativa mentirosa contra o presidente da República e o governo federal".
O que o presidente disse até agora sobre o assunto?
Na quinta-feira (24), em evento no interior do Rio Grande do Norte, Bolsonaro adotou a estratégia de negar corrupção sob o argumento de não ter havido qualquer pagamento à fabricante da vacina, mas não explicou o que fez em março deste ano, depois de ser alertado sobre as supostas irregularidades.
Horas mais tarde, ainda durante a viagem, o presidente repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre o imunizante indiano é a arma que sobra aos seus opositores.
"Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse, qualificando as acusações como fake news.
Bolsonaro confirmou que esteve com Luis Miranda, mas afirmou que o deputado "não falou nada de corrupção em andamento" e que agora "ele deve falar isso para desgastar o governo". "Vai ser apurado. Com toda certeza quem buscou armar isso daí vai se dar mal", disse.
Na sexta-feira (25), em Sorocaba (SP), Bolsonaro se irritou com perguntas sobre o caso Covaxin e insultou jornalistas, principalmente mulheres, que o questionaram a respeito do tema. Ele tachou quase todas as perguntas sobre o caso de idiotas.
Na noite de sexta, ao chegar a Chapecó (SC), o presidente voltou a minimizar o escândalo, chamando de "desespero" e de invenção de "uma corrupção virtual" o episódio levantado na CPI.
"Uma vacina que não foi comprada, não chegou uma ampola aqui, não foi gasto um real. E o governo está envolvido em corrupção. É o desespero. Por Deus que está no céu, me policio o tempo todo. Só Deus me tira daqui. Tapetão por tapetão sou mais o meu", disse.
Neste sábado (26), após passeio de moto com apoiadores na cidade catarinense, Bolsonaro subiu em um carro de som e disse que a CPI é formada por pilantras que não querem investigar quem recebeu o dinheiro, em referência aos governadores.
Que outras providências o governo adotou?
O presidente Bolsonaro pediu para que a Polícia Federal investigue o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), autores das acusações que o envolvem. O deputado Miranda disse que acionar a PF é uma tentativa desesperada de calar testemunhas sobre a compra da vacina indiana e mostra que Bolsonaro "não fez nada" após ser alertado sobre as possíveis irregularidades.
O Palácio do Planalto também discute o cancelamento do contrato assinado com a Precisa Medicamentos em fevereiro para obter 20 milhões de doses da vacina indiana produzida pela Bharat Biotech.
As respostas dadas pelo governo até aqui foram satisfatórias?
Para integrantes da CPI, não. Na leitura da cúpula do colegiado, as investigações, após o depoimento de sexta, entram em novo patamar devido às declarações sobre Ricardo Barros. Os parlamentares consideram que atingiram o discurso de combate à corrupção do governo.
O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou neste sábado (26) que o colegiado começou a investigação pelo vírus, em alusão ao novo coronavírus, e chegou "ao câncer da corrupção".
O fato de o governo Bolsonaro ter reservado R$ 1,61 bilhão para uma vacina sem perspectiva de entrega, com quebras de cláusulas contratuais, já se configura um prejuízo à saúde pública, disse à Folha a procuradora da República Luciana Loureiro, responsável pelo inquérito civil público que investigou o contrato entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos.
Como o caso interfere na CPI da Covid?
O surgimento dos novos fatos resultou em uma nova linha de investigação da CPI da Covid, que se tornou central e deve nortear as atividades da comissão pelas próximas semanas. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que talvez seja a denúncia mais grave já recebida pelo colegiado.
A cúpula da CPI afirma que as suspeitas abrem um promissor caminho de investigação, que pode levar à responsabilização do presidente.
Para um membro da comissão que falou reservadamente com a Folha, o colegiado acredita que terá maior apoio da opinião pública, mas precisará entregar mais elementos sobre as suspeitas de irregularidades na compra da vacina.
As declarações do servidor e do deputado à CPI também devem servir de combustível para a comissão estender os trabalhos. Para isso, é necessário o apoio de 27 dos 81 senadores. O prazo inicial de 90 dias se encerra em 10 de agosto, e pode ser renovado. Se prorrogada, a CPI irá até novembro.
Como reagiram aliados e apoiadores de Bolsonaro?
Governistas, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e o senador Marcos Rogério (DEM-RO), criticaram o depoimento e o que eles chamaram de "denúncias vazias". Aliados de Bolsonaro usam as redes sociais, onde encontram boa parte da sua base política, para diminuir o impacto da sessão da CPI na sexta.
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