Pedro Guimarães colecionou acusações de assédio sexual e desavenças no comando da instituição
© Adriano Machado/Reuters |
Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2019, Guimarães implementou uma agenda reformista e não se cansava de criticar a gestão petista que, segundo ele, conduziu o banco a negócios duvidosos marcados por corrupção e prejuízos.
Chegou a colecionar desafetos junto à Funcef, o bilionário fundo de pensão dos funcionários do banco, por mexer na governança da instituição para promover "uma limpeza", como dizia internamente, sem temer o risco de sofrer ações judiciais e processos juntos a órgãos de controle.
No primeiro ano, vendeu R$ 15,5 bilhões em ativos da Caixa, melhorando o balanço, que saltou para um lucro de R$ 14,7 bilhões. No ano passado, ele apresentou um resultado ainda maior (R$ 17,3 bilhões).
Boa parte desse desempenho se deve à venda de ativos considerados por Guimarães como "tóxicos", que nada tinham a ver com a "natureza do banco", em sua visão. Desde então, ele passou a enquadrar as medidas adotadas como "matemáticas".
"Se fizerem sentido para o banco, se derem lucro, serão consideradas", dizia Guimarães. "A Caixa é o banco do Excel [programa usado para planilhar dados]."
Tornou-se próximo de Bolsonaro e da família do presidente ainda antes da eleição, segundo relatos de quem coordenou a campanha.
Amigos relatam que, ainda como sócio do banco Plural, última instituição por onde passou antes de ingressar no governo, Guimarães agendou conversas com empresários e financistas no Brasil e nos EUA para apresentar Bolsonaro, então presidenciável.
Ainda segundo relatos, inicialmente, Guimarães chegou a ser cogitado para coordenar a Economia, então sob os cuidados do hoje ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida.
Com a chegada de Paulo Guedes à equipe, Guimarães passou a se debruçar sobre a Caixa, interessado em apresentar um plano para transformar a instituição em um banco de ponta e prepará-lo para a abertura de capital. Seu plano era, naquele momento, se tornar presidente da instituição, o que ocorreu.
Durante a pandemia, o executivo percebeu uma oportunidade de negócio para a Caixa e convenceu Bolsonaro a centralizar o pagamento do auxílio emergencial em um aplicativo desenvolvido pela instituição. Inicialmente, o Banco do Brasil também participaria.
Posteriormente, outros benefícios concedidos pelo governo durante a pandemia também passaram a ser pagos pelo aplicativo da Caixa.
O sucesso levou Guimarães a pedir ao Banco Central autorização para a abertura de um banco digital controlado pela Caixa que, futuramente, teria ações negociadas na Bolsa.
O coração desse banco seriam os clientes de baixa renda reunidos pela Caixa no aplicativo. O executivo acredita ser possível levantar R$ 50 bilhões com essa operação. O negócio ainda aguarda aval do BC.
Ao centralizar o pagamento dos benefícios do governo, a Caixa passou a defender Bolsonaro, que enfrentou críticas diante de sua postura negacionista em relação à letalidade do coronavírus e à necessidade de isolamento social.
A defesa do governo levou Guimarães a convencer o BB e a Caixa a deixarem a Febraban, a federação dos bancos, caso a entidade publicasse um manifesto que, em suma, criticava os ataques de Bolsonaro ao STF.
Esse alinhamento ideológico com Bolsonaro o aproximou ainda mais do presidente. Guimarães se tornou figura frequente nas transmissões de quintas-feiras realizadas pelo presidente.
Em uma delas, em que Bolsonaro falava sobre armamento da população, Guimarães afirmou ter 15 armas e que mataria, caso tivesse uma filha presa em um camburão.
"Se a minha filha fosse pro camburão, ou eu matava ou morria", disse na live presidencial.
A fala ocorreu ao comentar o caso do nadador Luiz Lima, que foi atleta olímpico e teve presas a esposa e a filha, de 14 anos.
"Que porra é essa? Desculpa. Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas 15 armas e ia dar uma. Eu ia morrer. Porque se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer."
Internamente, Guimarães tentava imprimir seu estilo de gestão aos servidores. No final do ano passado, obrigou executivos a fazerem flexões e dar estrelas, como ginastas olímpicos, durante o Nação Caixa, evento anual do banco realizado no interior de São Paulo.
O assédio foi gravado por funcionários e o vídeo, espalhado por integrantes do sindicato dos bancários e publicado pelo portal Metrópoles.
Além da faxina interna, como Guimarães costuma definir sua gestão, o executivo passou a promover visitas semanais às agências do banco pelo país.
Nas contas oficiais da Caixa em redes sociais, são comuns as publicações que destacam a atuação do presidente do banco, com imagens e textos de suas declarações, viagens, aparições em agências bancárias e vistorias em obras, além de outras atividades inusitadas.
O banco já publicou, por exemplo, fotos do executivo dentro do lixão de Cuiabá e sujo de lama dentro de um mangue na Bahia, acompanhado de pescadores.
Entre as dezenas de viagens, o presidente da Caixa também inaugurou empreendimentos de infraestrutura, participou de apresentações musicais e visitou empresas. Sua ideia, segundo assessores do Planalto, era disputar a vaga de vice na chapa com Bolsonaro.
As visitas comandadas por Guimarães fazem parte de um projeto batizado de Caixa Mais Brasil, similar ao slogan "mais Brasil, menos Brasília" usado por Bolsonaro. Já foram mais de 150 municípios visitados.
SUSPEITAS DE ASSÉDIO COMEÇARAM EM 2019
As suspeitas de assédio sexual na Caixa começaram já em 2019. Segundo relatos de funcionários ouvidos sob anonimato, um segurança chegou a ser demitido por ter flagrado Guimarães em "situação imprópria" com uma servidora do banco no estacionamento privativo da Caixa, localizado no subsolo da instituição, em Brasília.
Há relatos de outros funcionários demitidos em outros estados por terem presenciado situações de assédio praticadas pelo presidente do banco.
Os casos, no entanto, não surpreendem antigos colegas de trabalho de Pedro Guimarães. Esses colegas, que não quiseram ter seus nomes revelados, disseram que o executivo se envolveu em outros episódios de assédio no passado, motivo para sua saída de bancos como o Santander e até do BTG Pactual.
Somando-se a "crenças e práticas inusuais", Pedro Guimarães passou a ser chamado pelos colegas de mercado como "Pedro Maluco" -apelido que também foi adotado pelos integrantes do governo junto ao Palácio do Planalto.
Guimarães, 51, é casado há vinte anos com Manuella, filha do empreiteiro da OAS, Leo Pinheiro, e tem dois filhos.
Sempre tentou se afastar da figura do sogro, preso pela PF na Lava Jato e cuja delação premiada foi um fator decisivo para a prisão do ex-presidente Lula -episódio que criou condições para a chegada de Bolsonaro ao poder.
Manuella foi à cerimônia de apresentação do Plano Safra, na Caixa, nesta quarta-feira (29) no momento em que os governistas já davam como certa a demissão de Guimarães. Ele discursou e, em nenhum momento, fez menção às acusações contra si.
Naquele momento, já circulava o nome de Daniella Marques como sendo cotada para substituí-lo. Ela é secretária especial do Ministério da Economia.
Para que deixe o cargo imediatamente, no entanto, Guimarães precisa renunciar.
Caso contrário, será preciso uma reunião extraordinária do conselho de administração do banco para decidirem sobre a destituição, algo que exigirá tempo causando desgaste para a campanha de Bolsonaro, que disputa a reeleição.
Antes de mergulhar no mercado financeiro, Pedro tentou carreira como nadador, seguindo os passos do pai. Chegou a ser premiado pelo Flamengo, no Rio de Janeiro, e competiu como universitário na década de 1990. Depois, passou a nadar para manter a forma e decidiu jogar polo aquático.
Sua relação com o pai e com os esportes direcionaram os investimentos em publicidade da Caixa, de forma a levar recursos para atletas em formação, mudando a política anterior que, segundo ele, só destinava verbas para times de ponta e famosos.
Em sua cerimônia de posse, Guimarães mencionou sua relação com o esporte e se emocionou ao falar do pai que, segundo ele, se contaminou com o vírus da Aids.
Formado em Economia pela PUC do Rio de Janeiro, fez doutorado na Universidade de Rochester, em Nova York (EUA). Em 2005, se tornou sócio do banco BTG Pactual. Em 2011, deixou o BTG e se associou ao banco Plural, de onde saiu para assumir a Caixa.
A reportagem tentou contato direto com Guimarães desde terça-feira, mas ele não respondeu.
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