Bernardo Zamith Netto participou de uma ação na cracolândia em São Paulo
© Reuters |
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dos policiais civis investigados pela morte de um usuário de drogas durante ação na cracolândia disse ter sido ameaçado e, por isso, disparou sua arma calibre 40 mm contra um grupo de dependentes químicos na avenida Rio Branco, no centro de São Paulo, no último dia 12.
Em depoimento à Polícia Civil, ao qual a reportagem teve acesso, o investigador Bernardo Zamith Netto afirmou que fez de dois a quatro disparos ao se ver diante de um grupo de usuários que gritava "mata a polícia", "polícia vai morrer" e corria para a direção onde ele estava com outros dois policiais civis.
Antes, ele relatou que seu colega, o investigador Oswaldo José Sodré Ley Rangel, tentou conter a multidão ao efetuar seis disparos com uma espingarda calibre 12 mm de munição não letal. Segundo Netto, as balas de borracha não foram suficientes para conter a multidão e, por isso, ele disparou sua arma. Um terceiro policial estava junto, mas não atirou.
Na confusão, o usuário de drogas Raimundo Nonato Fonseca Júnior, 32, foi baleado no peito. Ele chegou a ser levado para a Santa Casa, mas morreu em seguida. Outro usuário foi atingido na mão pelos disparos.
Um dos policiais relatou ter visto uma das balas ricochetear no asfalto e produzir fumaça. Netto afirmou ter efetuado os disparos em direção ao chão como uma forma de dispersar o grupo, se proteger e também os outros policiais.
Os três investigadores relataram em depoimento que só souberam da morte do usuário no dia seguinte pelo noticiário e que não viram ninguém sendo atingido pelos disparos. Eles afirmaram que, diante da informação, se apresentaram ao DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), onde o caso começou a ser investigado antes de ser encaminhado à corregedoria da Polícia Civil. O caso foi registrado como homicídio doloso, quando há intenção de matar.
De acordo com a SSP (Secretaria de Segurança Pública), os policiais foram afastados e as armas, apreendidas. A pasta afirmou que a investigação do caso é sigilosa e detalhes não podem ser comentados.
A SSP não disse se os policiais continuam afastados e qual será a sanção aplicada caso se comprove que as balas que mataram Fonseca Júnior foram disparadas pelo investigador.
Comandante da operação naquele dia, o delegado Severino Vasconcelos, do 77º DP (Campos Elísios), negou que tenha autorizado qualquer disparo contra os usuários.
A morte ocorreu na noite seguinte à operação policial que esvaziou a praça Princesa Isabel, onde a aglomeração de usuários de drogas e traficantes havia se instalado. Após a ação, grupos se espalharam pelas ruas do centro em busca de um novo ponto de concentração.
Ao comentar o caso, o governador de São Paulo e pré-candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), afirmou se tratar de uma exceção a ser lamentada e que as operações na cracolândia vão continuar.
Os policiais investigados contam que, naquele dia, foram acionados para conter uma tentativa de invasão de usuários de drogas ao 77º DP. Ao chegarem lá, porém, constataram que se tratava de um alarme falso e decidiram acompanhar um comboio organizado pela 1ª Delegacia Seccional do Centro para conter usuários no entorno da avenida Duque de Caxias.
Os investigadores do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos), então, entraram no carro oficial e se posicionaram próximo à avenida Rio Branco para coibir eventuais ação de vandalismo. Três deles saíram de onde estavam ao ouvirem gritos por socorro de comerciantes que, segundo eles, estavam sendo alvos de saqueamento pelo grupo de usuários.
Ainda de acordo com os depoimentos, eles avistaram o dono de um supermercado na avenida Rio Branco tentando impedir uma mulher de invadir o comércio. Ao ver o grupo se aproximar, o comerciante tentou baixas as portas de ferro do estabelecimento, mas a mulher forçou a entrada ao balançar o portão de ferro.
Os policiais gritaram para ela sair dali, segundo depoimento. Foi quando a mulher começou a incitar o grupo de usuários contra os policiais. "Mata a polícia", gritaram enquanto jogavam pedras e corriam para cima dos três investigadores que reagiram com os disparos.
Ao mesmo tempo, segundo os policiais civis, um carro da Polícia Militar entrou na avenida Rio Branco pela rua General Osório para dispersar o grupo que vandalizava um ponto de ônibus. Uma agência dos Correios na avenida também foi alvo de tentativa de invasão, segundo os investigadores. Houve correria, segundo eles, e neste momento começaram os disparos.
A investigação colheu depoimento do dono do supermercado e de uma moradora de um prédio vizinho que filmou toda a movimentação da janela. O comerciante confirmou a versão de tentativa de arrombamento e afirmou conhecer a mulher que quis invadir o supermercado, uma cliente frequente que sofre de alcoolismo.
Após os disparos, o comerciante relatou que o grupo de usuários passou pelos policiais sem agredi-los e continuou a andar pela avenida Rio Branco.
Em depoimento, a moradora do prédio afirmou ter visto os usuários quebrando a estrutura de vidro do ponto de ônibus e ouvido gritos por socorro.
Nenhuma das duas testemunhas mencionou terem ouvido os gritos de "mata a polícia" e "polícia vai morrer", apesar de reconhecerem que os policiais civis correram risco diante dos usuários de drogas.
A morte de Fonseca Júnior foi citada pela Defensoria Pública de São Paulo em denúncia de agressões a usuários de drogas enviada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Ao relatar o episódio, os defensores públicos afirmaram que "as ações do Poder Público, notadamente das forças de segurança pública, são caracterizadas pela repressão contra pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social".
Em resposta à Defensoria, a SSP afirmou que as ações policiais visam prender traficantes de drogas, e que as forças de segurança atuam com órgãos estaduais e municipais de assistência social e de saúde. "A pasta reforça que a corregedoria da Polícia Civil investiga com rigor todas as denúncias de abuso policial", informou em nota.
O caso também é investigado pelo Ministério Publico, que viu ação violenta contra os dependentes químicos durante as ações policiais.
Os promotores Reynaldo Mapelli e Arthur Pinto Filho (Direitos Humanos), Luciana Bergamo (Infância e Juventude) e Marcus Vinicius Monteiro dos Santos (Habitação e Urbanismo) afirmam que a operação na praça Princesa Isabel foi mais violenta do que a realizada há uma década porque desta vez houve a morte de um homem.
Segundo a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), usuários relataram terem sido vítimas de agressões durante a ação policial na praça Princesa Isabel.
O secretário-executivo de Projetos Estratégicos da prefeitura, Alexis Vargas, refutou as acusações de violência durante a operação. "Havia ao menos cinco veículos de imprensa presentes e nenhum filmou atos de truculência", disse. "Não houve nenhuma violação de direitos humanos, não teve nenhuma unha quebrada."
Três dias após a morte do usuário de drogas, manifestantes caminharam pelas ruas do centro paulistano pedindo justiça. Os presentes entoaram palavras de ordem pedindo o fim do "genocídio na cracolândia" e ressaltando que "vidas na craco importam".
VIA...NOTÍCIAS AO MINUTO
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários são pessoais, é não representam a opinião deste blog.
Muito obrigado, Infonavweb!