Os números colocam em xeque a ideia de que as milícias seriam um "mal menor" para a população das comunidades.
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(FOLHAPRESS) - Áreas dominadas pela milícia e por facções associadas ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro têm uma taxa de homicídios dolosos semelhante. De 2006 a 2021, foram 218,3 e 210,5 mortos a cada 100 mil habitantes, respectivamente. Os números colocam em xeque a ideia de que as milícias seriam um "mal menor" para a população das comunidades.
A atividade e o grau de letalidade das forças de segurança, no entanto, estão concentrados em bairros sob o domínio do tráfico -predominantemente do Comando Vermelho. Os locais sempre concentraram ao menos 59% das operações no período analisado, e as mortes nos locais com predominância da facção representaram 65% do total.
Os dados são de um levantamento do Instituto Fogo Cruzado feito em parceria com o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF (Universidade Federal Fluminense).
O estudo reuniu dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), do governo do Rio, de homicídios dolosos e de mortes por intervenção de agentes do estado; do Geni, que coleta informações sobre operações policiais e chacinas em que há presença de agentes do estado; e do Instituto Fogo Cruzado, que registra chacinas dentro e fora de operações policiais.
A classificação de chacina, segundo os pesquisadores, é dada a eventos em que há três mortos ou mais. Podem acontecer entre grupos rivais ou com a participação de forças policiais, como a operação no Complexo da Maré, na segunda-feira (26), que terminou com sete mortos.
As informações são de mais de 13 mil sub-bairros, conjuntos habitacionais e favelas das cidades na região metropolitana do Rio de Janeiro, que compõem um mapa sobre o histórico de ocupação por grupos armados. Os diferentes grupos armados considerados no levantamento -CV (Comando Vermelho), TCP (Terceiro Comando Puro) e ADA (Amigos dos Amigos) e milícias- usam a violência de forma diferente para o controle dos territórios.
O controle de áreas por milícias, que já foram consideradas grupos que mantêm a ordem e moralizam os territórios, não reduziu as taxas de homicídios, segundo a socióloga Maria Isabel Couto, do Instituto Fogo Cruzado.
"Quando as milícias surgiram, pelo menos na sua faceta atual, existia um discurso muito forte de autoridades públicas dizendo que eram um mal menor, um remédio para o tráfico. É um discurso que não se sustenta", afirma Couto, uma das coordenadoras do estudo.
Esses grupos, segundo ela, expandem o controle territorial armado no Rio de Janeiro e não são mecanismos para baixar as taxas de homicídio.
Segundo os pesquisadores, taxas de homicídios mais altas em grupos com a categoria de baixo grau de controle podem indicar disputas pelo território ou imposição da violência como forma de estabelecer o domínio.
O levantamento mostra como as diferentes dinâmicas dos grupos afetam as regiões e como o uso da força pelo poder público atua nesse cenário. Para Daniel Hirata, coordenador do Geni/UFF, as ações têm sido direcionadas, mas sem reduzir os crimes de homicídios.
"Já mostramos em algumas oportunidades que operações policiais não são efetivas para o enfrentamento de grupos armados. Não me parece que um número maior de operações policiais vai diminuir a extensão do controle territorial desses grupos no Rio de Janeiro", afirma.
Segundo Hirata, um efeito das ações nas disputas pode ser, inclusive, o de aumentar a violência. Grupos que enfrentam mais operações policiais podem ficar suscetíveis a invasões de outras facções. "Qual o papel das operações nessas disputas? Essa é a questão a ser respondida", diz o pesquisador.
A falta de relação entre aumento de operações policiais e uma redução dos índices de homicídios e de outros crimes é reforçada por Pablo Nunes, coordenador do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania). Ele lembra que o programa de Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, promoveu uma redução de indicadores criminais sem investir em ações ostensivas.
"Não há uma relação dessa ida de policiais para a guerra com redução e combate da criminalidade", afirma o pesquisador.
A percepção de violência da população no Grande Rio, para Hirata, está ligada à ocorrência de confrontos armados. Porém, a falta de tiroteios não significa a ausência de mortes violentas, como assassinatos direcionados ou desaparecimentos.
Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar da gestão Cláudio Castro (PL) afirmou que as ações planejadas cumprem as determinações legais e são baseadas em informações de órgãos oficiais, como agências de inteligência e o Instituto de Segurança Pública.
A corporação diz que houve redução nos índices de crimes de letalidade violenta, indicador que agrega homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e morte por intervenção de agente do estado.
"Divulgados semana passada, os números do ISP referentes a agosto último revelam uma redução de 11% no índice de letalidade violenta no acumulado deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. É o menor índice dos últimos 31 anos", diz o texto.
A Secretaria de Estado de Polícia Civil afirmou que desconhece a metodologia utilizada no estudo e que atua com base em inteligência e investigação em dados do ISP.
A pasta informou que tem reduzido índices e que as mortes em operações na atual gestão da secretaria decorreram de agressões contra os policiais.
"A Secretaria reforça que as operações priorizam sempre a preservação de vidas, tanto dos agentes quanto dos cidadãos. As mortes em confronto ocorridas na atual gestão da Sepol aconteceram em decorrência de agressões de criminosos contra policiais. A reação da Polícia Civil durante operações depende da conduta dos criminosos", diz o texto.
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