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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Cracolândia se espalha, aumenta crimes e vira desafio para Tarcísio

As delegacias responsáveis pela área da cracolândia, tiveram aumento na quantidade de roubos entre janeiro e outubro

© Rovena Rosa/ Agência Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A dispersão da cracolândia, atrelada a um aumento na violência no centro de São Paulo, deve ser um dos primeiros desafios na área da segurança pública da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) no governo do estado.

Os roubos e furtos na região podem ser confirmados por vídeos, produzidos por moradores de suas janelas, e de forma oficial, através de números disponibilizados pela SSP (Secretaria da Segurança Pública).

Levantamento da Folha mostrou que o 3º DP (Campos Elíseos) e o 77º DP (Santa Cecília), delegacias responsáveis pela área da cracolândia, tiveram aumento na quantidade de roubos entre janeiro e outubro. Os números são superiores ao visto em duas décadas, quando teve início a série histórica. O governo e a prefeitura negam que a alta dos crimes patrimoniais tenha relação com a dispersão de usuários ocorrida neste ano .

Em nota encaminhada no dia 16, a SSP disse ter reforçado o policiamento na região com o emprego de 37 viaturas e mais de 150 policiais, incluindo PMs da Rota e do Batalhão de Choque. Conforme a pasta, 4 toneladas de drogas foram apreendidas na região central desde janeiro.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana, responsável pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), declarou, na mesma data, ter intensificado o patrulhamento na área, que passou a contar com 554 agentes em 80 automóveis e 60 motocicletas. A prefeitura ainda afirmou que a dispersão fez aumentar a procura de usuários por tratamento.

O próprio novo governo, que assume na próxima semana, usa o termo "desafio" para tratar a cracolândia. A nota encaminhada para a reportagem indica que as ações devem continuar no mesmo molde atual, com uso da polícia em conjunto com a área da saúde.

"É necessário colocar em prática um leque de políticas públicas intersetoriais, que não se restringem apenas a ações da segurança pública, pois é preciso oferecer assistência a quem é dependente", diz um trecho da resposta. A gestão Tarcísio diz que, "para combater o tráfico, é necessária a parceria entre as polícias Militar e Civil, além da guarda metropolitana. Ao dependente em situação de rua, cabe à área de saúde trabalhar na triagem e encaminhar o usuário químico para recuperação".

O comunicado ainda fala em investir na ampliação da capacidade de atendimento do programa Recomeço e do Cratod (Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas), ambos tocados pelo estado. Há também menção à criação de oportunidades de trabalho, habitação, através de aluguel social, e revitalização do centro como forma de atrair comerciantes.

A dispersão da cracolândia teve início em março, quando usuários de drogas deixaram o entorno da praça Júlio Prestes e seguiram para a praça Princesa Isabel, onde permaneceram por cerca de dois meses. Eles foram expulsos do local em 11 de maio, durante ação conjunta entre as gestões Ricardo Nunes (MDB) e Rodrigo Garcia (PSDB).

Dali em diante, o que se pode notar foram formações de diversos fluxos, como são chamadas as aglomerações de usuários de drogas, e muitas queixas de moradores e comerciantes quanto à insegurança, barulho e sujeira nos bairros de Campos Elíseos, Santa Cecília e Santa Ifigênia.

Um estudo do Labcidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), ligado à USP, apontou que a dispersão resultou em 16 pontos ocupados por usuários de drogas pela região central.

Para o coordenador do Labcidade, Aluízio Marino, moradores e dependentes químicos foram prejudicados com a dispersão. "Os usuários, porque a dispersão é feita com violência e está associada a detenções e propostas suspeitas de tratamento: prisão ou internação. Os moradores e comerciantes, por conta do deslocamento dos usuários."

Pouco mais de 24 horas depois da dispersão, um morador de rua, identificado como Raimundo Nonato Rodrigues Fonseca Júnior, morreu durante uma confusão na avenida Rio Branco. Ele foi atingido por um tiro disparado por um policial civil.

Ainda em maio, uma parte dos dependentes se fixou na rua Helvétia, entre a avenida São João e a alameda Barão de Campinas, a poucos passos do 77º DP.

O novo endereço foi palco, entre maio e novembro, de diversas investidas da Operação Caronte, ação da Polícia Civil com apoio da GCM. Na mais emblemática delas, em 1° de setembro, o psiquiatra e palhaço Flávio Falcone, que atua há 15 anos na área de redução de danos, estava em uma de suas apresentações no local quando foi detido. A detenção foi motivada por perturbação de sossego, já que vizinhos se mostraram incomodados com o barulho que sua trupe fazia.

Sua equipe também foi conduzida para a delegacia. A bicicleta com uma caixa de som que ele usava foi apreendida. O equipamento permanece até hoje em poder da Justiça.

"Sei que claramente isso é um ataque ao campo da redução de danos, que estou na ponta da lança aqui no território. Esse campo tem atrapalhado a Operação Caronte", disse Falcone para a reportagem ao ser liberado.

Naquele mesmo dia, só que a menos de 1 km dali, moradores e comerciantes fecharam o cruzamento das ruas Conselheiro Nébias e Vitória para protestar contra um novo fluxo que havia se formado no local. Eles queimaram pneus e exibiram cartazes pedindo o fim da cracolândia no local.

As reclamações davam conta do barulho produzido pelos usuários. Houve relatos de brigas entre os dependentes e pancadão proveniente de caixas de som portáteis carregadas por eles.

Menos pacientes foram os comerciantes, ambulantes e seguranças privados da rua Santa Ifigênia, do outro lado da avenida Rio Branco. Cansados dos saques, furtos e consequentemente a queda no número de clientes, que passaram a ter medo de assaltos com o fluxo da rua dos Gusmões, eles resolveram atacar os usuários com pedaços de madeira.

As agressões foram gravadas e viralizaram nas redes sociais. O policiamento no local foi reforçado e o fluxo migrou para outro ponto da rua dos Gusmões, desta vez no cruzamento com a rua do Triunfo, onde permanece até os dias atuais e é motivo de um apagão em serviços básicos, como carros por aplicativo.

Foi na Gusmões que ocorreu um dos casos mais curiosos desde a dispersão. Inconformados com a falta de luz em seus imóveis há 72 horas, moradores de um prédio se juntaram e impediram que uma equipe da concessionária Enel deixasse a região sem realizar reparos na rede elétrica.

A empresa confirmou que o atraso no reparo ocorreu devido à insegurança. A empresa acrescentou que só a região da cracolândia concentra 42% dos 219 casos de furtos de cabos subterrâneos na capital neste ano.

"Foi um desastre, uma devastação total para nosso bairro. Depois disso, eles ficaram espalhados e sem controle algum. A insegurança está grande demais, pois são assaltos a qualquer hora do dia. Sair aqui de noite tem que ser pensado e repensado mais de uma vez. Fiquei até sem jeito de receber visita no Natal", relatou o auxiliar administrativo Fabiano Silva, 28.

Marino, do Labcidade, ainda enxerga um outro problema a ser enfrentado, já que grupos de segurança privada estão ampliando a presença no território: "Quem não pode pagar por esse serviço fica com o fluxo na porta de casa".

Há também quem entenda dispersão como algo benéfico para a região. "A operação é um ponto de início, e a dispersão é benéfica a partir do momento que ela incomoda os demais. Enquanto estava na Dino Bueno e era só um problema dos moradores do complexo Júlio Prestes ninguém estava nem aí", disse o presidente da Associação Geral do Centro de São Paulo, Charles de Menezes, 41.

Menezes diz que não há uma solução pronta, e não se pode ficar parado esperando por mais 30 anos. Ele e um grupo de moradores criaram um abaixo-assinado pedindo a permanência do delegado seccional Roberto Monteiro –idealizador da Operação Caronte, que resultou na prisão de 191 pessoas, sendo 122 delas após mandados expedidos pela Justiça, desde junho de 2021.

O espalhamento dos usuários não trouxe problemas somente para quem mora ou trabalha por ali. Motoristas e pedestres passaram a ser vítimas de arrastões e saques na avenida Rio Branco. Diversos vídeos mostram o momento em que grupos furtam objetos de dentro de automóveis e correm pela via.

Um dos primeiros fluxos abertos após a dispersão, a aglomeração na rua Helvétia se desfez neste mês, após um comerciante ser espancado e ter seu automóvel depredado.

Atualmente, as aglomerações estão inconstantes, não permanecendo por muito tempo em um determinado ponto. Entretanto, não é difícil encontrar grupos na alameda Dino Bueno, na altura da avenida Duque de Caxias. Alguns outros usuários na rua do Triunfo e na rua dos Gusmões, todas vias a metros da praça Júlio Prestes, onde ficavam antes da dispersão.

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