O anúncio do início do declínio da população da China na semana passada pegou muitos de surpresa –a previsão oficial da data em que o número de mortes superaria o de nascimentos era 2025.
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CLARA BALBI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O anúncio do início do declínio da população da China na semana passada pegou muitos de surpresa –a previsão oficial da data em que o número de mortes superaria o de nascimentos era 2025.
Mais do que precoce, para alguns a notícia soou como um obstáculo para a corrida do gigante asiático pelo topo da economia mundial.
O pico de desenvolvimento de uma nação costuma ocorrer quando a maior fatia de sua população é adulta. Em idade economicamente ativa, ela não só tem potencial de produzir mais riquezas como, em geral, gera menos encargos para o Estado.
Ao envelhecer sem ter quem substitua sua força de trabalho, porém, essa mesma população passa a representar, em partes, um fardo para os governos. E, na China, lar de quase um quinto da população mundial, esse peso é, no mínimo, considerável.
De certa forma, porém, o país só encontrou o mesmo destino que seus vizinhos no Leste Asiático –e, em último caso, de todas as nações em desenvolvimento. Consequências do crescimento econômico como o aumento do custo de vida, a pressão do mercado de trabalho, e mudanças no modo como as pessoas se relacionam são todos fatores que levam muitos a postergar ou mesmo desistir de ter filhos.
A diferença, no caso de Pequim, é que seu declínio populacional foi em grande parte definido por sua controversa política do filho único vigente entre 1979 a 2015 (hoje, cada família pode ter até três filhos).
Dados da ONU indicam que o Japão foi o primeiro país da região a finalizar sua transição demográfica, em 2010. Desde então, tem convivido com taxas de fecundidade de cerca de 1,3 filhos por mulher –o necessário para garantir o crescimento da população é de 2,1.
Um recorde negativo no ano retrasado levou o em geral discreto premiê Fumio Kishida a fazer um pronunciamento dramático no início desta semana, durante a abertura oficial do Parlamento. "É agora ou nunca", disse. "Nossa nação está no limite de saber se consegue manter suas funções sociais."
A Coreia do Sul seguiu pelo mesmo caminho a partir de 2020. Desde então, o país mantém o recorde negativo de fecundidade do mundo, de 0,87. Não está sozinha –taxas abaixo da marca de 2,1 se repetem em toda a Ásia Oriental, incluindo os dados disponibilizados pela Coreia do Norte (1,79). A exceção é a Mongólia, cujo número é de 2,8.
Apesar desse panorama, pesquisadores dizem que, seja para a China como para os demais países, a situação está longe de ser catastrófica como alguns descrevem. Stuart Gietel-Basten, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong e da Universidade de Khalifa, em Abu Dhabi, lembra que o contingente populacional de um país é um entre muitos fatores que influenciam a economia.
Mais do que isso, "ter mais bebês não vai consertar o sistema de aposentadoria se ele estiver quebrado", argumenta o pesquisador. "Não me entenda mal: se a taxa de fecundidade no Japão, na Coreia ou na China fosse um pouco maior, seria mais simples para eles se adaptar aos desafios que virão pela frente. Mas não resolveria o problema."
Mas, quando o assunto é só a demografia, esses países enfrentam sim grandes adversidades. Professor de relações internacionais da ESPM, Alexandre Uehara diz que essas nações não só são menos atrativas para estrangeiros em razão das barreiras da língua e da cultura, como os próprios governos da região são menos abertos à imigração.
O Japão, por exemplo, só recentemente começou a modificar suas leis para permitir mais imigrantes, embora registre taxas de fecundidade menores do que 2,1 desde 1975, segundo a ONU.
Outro problema é o fato de que estas são sociedades mais tradicionais em termos de papéis de gênero. Isso faz com que haja uma expectativa de que as mulheres assumam uma carga maior de trabalho doméstico do que seus parceiros –mesmo que tenham grau de escolaridade e inserção no mercado de trabalho semelhante ao deles. O resultado é que elas muitas vezes postergam ou desistem de engravidar.
As soluções apresentadas pelos governos locais, em geral centradas em incentivar a população a ter mais filhos, não parecem ter sido efetivas. Mesmo assim, eles seguem insistindo na via. No ano passado, o Japão anunciou que aumentaria a quantia que cada casal ganha ao ter seu primeiro filho de 420 mil ienes para 500 mil ienes.
A Coreia do Sul, por sua vez, prometeu uma mesada mensal de 700 mil wons a famílias com recém-nascidos e aumentar o período de licença-paternidade (válida para mães e pais) de 12 meses para 18 meses. Enquanto isso, a China tem realizado experimentos com pagamentos de subsídios mensais em âmbitos municipal e provincial.
"Acho que os dirigentes não entendem que maternidade não é uma coisa de seis meses, um ano", diz Laura Wong, vice-presidente da União Internacional para Estudos Científicos da População e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ela afirma que o que se nota em políticas de Estado como as propostas por Japão e Coreia é que eles podem até impulsionar mulheres que já planejavam engravidar a concretizar seus planos. Mas não interferem na quantidade de filhos desejados, nem impactam a decisão de engravidar.
A pesquisadora pondera que, ao mesmo tempo que a desigualdade de gênero pode provocar uma queda da taxa de fecundidade, também é verdade que políticas que incentivam a equidade entre homens e mulheres porem levar a população a considerar ter mais filhos, como foi o caso de alguns países escandinavos –que, no mais, seguem com taxas abaixo do ideal.
Wong diz que a exceção a esse cenário de infertilidade da Ásia talvez seja justamente a China. Por ter um regime autoritário, o país acabando exercendo mais controle sobre os rumos da população.
De todo modo, momentos como o da transição demográfica que o país vivee agora podem servir como uma oportunidade para pensar no futuro e investir nas novas gerações, que sustentarão as demais, segue a pesquisadora. Algo que, ela sublinha, o Brasil não fez quando devia.
Uehara é outro que traça paralelos entre a situação dos países da região e a realidade brasileira, que deve enfrentar um declínio populacional por volta de 2040. "Nós sabemos que estamos no mesmo caminho. Temos que olhar bastante para essas economias para tentar antecipar as nossas respostas."
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