Moro se tornou alvo de uma reclamação disciplinar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e teve sua imparcialidade contestada por delatores em dois procedimentos em trâmite no STF
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CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - Quase cinco anos após deixar a cadeira de juiz federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, o agora senador pelo Paraná Sergio Moro (União Brasil) enfrenta uma sequência de contestações sobre sua atuação no passado na magistratura, carreira que abandonou para ser ministro de Jair Bolsonaro (PL).
Somente no último mês, Moro se tornou alvo de uma reclamação disciplinar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e teve sua imparcialidade contestada por delatores em dois procedimentos em trâmite no STF (Supremo Tribunal Federal), movidos pelas defesas do doleiro e um dos pivôs da Operação Lava Jato Alberto Youssef e do empresário e ex-deputado estadual do Paraná Tony Garcia.
Os três casos tramitam em sigilo, e o senador sempre negou ter cometido irregularidades.
Garcia e Youssef tiveram acordos de colaboração avalizados por Moro em 2004 e em 2014, respectivamente. Nos dois casos, se o STF concordar que Moro agiu de forma irregular, há possibilidade de quebra do compromisso.
Em relação a Garcia, em um caso pré-Lava Jato, a juíza Gabriela Hardt já rescindiu a delação quase um ano atrás, mas a defesa protestou e ainda não há um desfecho.
Os dois procedimentos no STF estão nas mãos do ministro Dias Toffoli, que em 6 de setembro anulou provas obtidas pela Lava Jato junto à empreiteira Odebrecht e também determinou que sejam apuradas, nas esferas administrativa, cível e criminal, as responsabilidades das autoridades envolvidas na operação.
ALBERTO YOUSSEF
Em 15 de setembro, a defesa de Alberto Youssef entrou com um pedido de providências no STF apontando que algumas intromissões e decisões de Moro teriam prejudicado a correta apuração do caso da escuta ambiental encontrada na carceragem da Polícia Federal em Curitiba onde o doleiro esteve preso em 2014.
A tese dos advogados é de que Moro teria atuado para proteger a equipe da Lava Jato e que o caso não ficou totalmente esclarecido na época. Assim, querem que uma nova investigação seja feita sobe o episódio.
Por se tratar de um procedimento que tramita sob sigilo no STF, os advogados de Youssef não informam quais decisões ou atos de Moro poderiam ter interferido na investigação sobre o grampo ilegal.
Em outra frente, a defesa já sinalizou que pretende rever o acordo de colaboração do doleiro com base no mesmo episódio.
O compromisso com a Justiça foi fechado meses após a descoberta dos aparelhos de escuta ambiental e os advogados querem saber se isso afetou a "voluntariedade e espontaneidade" da delação dele.
Os passos da defesa de Youssef para conseguir a quebra do seu acordo são acompanhados de perto por advogados de outros réus. Isso porque a delação do doleiro é considerada uma espinha dorsal da Lava Jato e uma eventual quebra pode respingar em toda a investigação.
CNJ
Em 22 de setembro, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, determinou a instauração de reclamação disciplinar contra Sergio Moro -e também contra a juíza Gabriela Hardt, que atuou como substituta em processos da Lava Jato- com base em um relatório feito a partir da correição extraordinária (uma espécie de inspeção) que ocorrida neste ano na 13ª Vara Federal de Curitiba.
O corregedor vê "indícios de violação reiterada dos deveres de transparência, de prudência, de imparcialidade e de diligência do cargo em decisões que autorizaram o repasse de mais de R$ 2 bilhões à Petrobras", no âmbito da Lava Jato, entre 2015 e 2019.
De acordo com Salomão, os valores teriam sido transferidos antes do trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso) de parte das ações penais.
Moro e Hardt, segundo ele, também não teriam considerado o fato de que a empresa estava sob investigação por autoridades nos EUA, sendo ré em processos que apuravam suspeitas de corrupção, e não a vítima.
O corregedor afirmou ainda que, embora Moro não seja mais um juiz, a jurisprudência do CNJ busca impedir que magistrados deixem a carreira para se livrar de eventuais punições administrativas. Moro respondia a cerca de 20 procedimentos administrativos no CNJ quando deixou a magistratura.
Publicamente, Moro criticou a investigação determinada por Salomão: "Só no governo Lula devolver dinheiro roubado é crime", disse o senador.
TONY GARCIA
Em setembro, advogados de defesa de Tony Garcia protocolaram uma petição no STF na qual buscam o reconhecimento da parcialidade de Moro e a anulação de todos os atos assinados pelo ex-juiz envolvendo o empresário, incluindo a homologação do acordo de colaboração premiada.
O delator foi investigado há quase 20 anos no caso do Consórcio Garibaldi, um caso pré-Lava Jato.
De acordo com Garcia, Moro cometeu uma série de ilegalidades no contexto de sua delação, quando o empresário se comprometeu a buscar provas sobre 30 supostos fatos criminosos.
Um dos fatos contemplava um caso de grampo telefônico ilegal no qual o próprio Moro seria a vítima, o que comprometeria a atuação do então juiz no caso. Garcia afirmou na época que seu ex-advogado Roberto Bertholdo grampeou o telefone de Moro. Bertholdo nega.
Outra suposta ilegalidade de Moro, apontada agora por Garcia, tem relação com a competência ou não da Justiça Federal paranaense para tratar de suspeitas que tinham relação com autoridades com foro especial, como deputados, conselheiros, desembargadores e ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Na petição levada pelos advogados de Garcia ao STF, a defesa do delator afirma que a amplitude do acordo firmado com o Ministério Público Federal era "absolutamente ilegal" e que Moro seria "absolutamente incompetente para homologar".
Já Moro tem dito que a mera menção de nomes de autoridades com foro especial não empurra o caso para outras instâncias e que o relato de Garcia por si só não significava uma investigação de pessoas com prerrogativa de função.
"Sem indícios concretos do envolvimento de autoridades com foro não cabia, à época, a declinação de competência", sustenta Moro.
Em uma decisão de Moro assinada em 2005 e levada recentemente pela defesa de Garcia ao STF, o então juiz sugere que o delator faça novas reuniões com escuta ambiental com determinadas pessoas para levantar elementos de corroboração sobre os 30 fatos.
Entre eles estavam conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (com foro especial no STJ) e o então deputado federal paranaense José Janene (com foro especial no STF), que morreu em 2010.
Sobre isso, Moro tem dito que a jurisprudência na época não exigia autorização para gravação quando feita por um dos integrantes do diálogo. Também afirma que todo o caso era acompanhado pela Polícia Federal.
OUTROS CASOS
Moro e as autoridades que estiveram à frente da Lava Jato têm sofrido uma série de reveses no Judiciário nos últimos anos.
O principal deles, para Moro, foi decisão do STF em 2021 que o julgou parcial na condução de casos do hoje presidente Lula. A medida precipitou o arquivamento das investigações e processos contra o petista, viabilizando sua candidatura na eleição de 2022.
Posteriormente, outros alvos da operação passaram a fazer alegações parecidas, em parte baseadas nas mensagens no aplicativo Telegram que mostraram colaboração entre o então magistrado e os procuradores da Lava Jato.
Mais delatores também vêm questionando as circunstâncias em que firmaram seus acordos de colaboração –criticando, entre outros pontos, suposta pressão do Ministério Público.
Neste ano, Moro também viu ressurgir acusação feita anos atrás de um réu da Lava Jato que se refugiou na Espanha, o advogado Rodrigo Tacla Duran. O advogado acusa um amigo de Moro de intermediar negociações paralelas de delação e de cobrar pagamentos por isso.
O caso já tinha sido investigado, mas Tacla Duran prestou novo depoimento a distância em março, e um novo procedimento foi encaminhado ao Supremo, por causa do foro especial do agora senador. O caso está sob sigilo.
Moro sempre disse repudiar as acusações de Tacla Duran. Em março, afirmou que o advogado faz acusações sem prova, "salvo as que ele mesmo fabricou".
Além disso, Moro foi denunciado em abril sob acusação de calúnia pela Procuradoria-Geral da República. A denúncia se refere a vídeo em que o ex-juiz aparece falando sobre "comprar um habeas corpus de Gilmar Mendes".
O ex-juiz criticou a elaboração da denúncia e disse que ela se baseou apenas em "fragmentos de vídeo editado e divulgado por terceiros", sem fazer nenhuma acusação ao ministro do STF.
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