O STF fixou uma tese que pode punir a imprensa
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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A tese fixada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de que órgãos de imprensa podem ser punidos por falas de entrevistados poderá incidir em ações mais amplas relacionadas à liberdade de expressão, à atuação de veículos de comunicação e até publicações em redes sociais.
O entendimento pode ser usado para decidir, por exemplo, sobre processos contra uma coluna de humor que mencionou a escalação de um suposto time chamado "100 Muié Futebol Clube" e ainda contra um texto crítico a uma publicidade que defendia tratamento não comprovado para a Covid-19.
Poderá servir também para definir ações sobre a manutenção de comentários depreciativos a um ex-prefeito numa página do Facebook e sobre uma TV que gravou e entrevistou um homem bêbado.
Só no Supremo, são 33 processos que ficaram à espera da tese de repercussão geral, que incide em processos similares, fixada pelo plenário da corte em novembro. Além desses, outros 64 que tramitam nos demais tribunais do país aguardavam a decisão do STF, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
A tese aprovada pelo Supremo diz que "a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização".
Essa responsabilização, que pode incluir remoção de conteúdo, seria por "informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais".
"Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios", diz a tese.
À reportagem o ministro Alexandre de Moraes disse que o termo "indícios concretos da falsidade da imputação" deve ser substituído para "dolo" do jornalista ou do meio de comunicação, para que não haja problema na interpretação.
Questionado sobre a validade do julgamento para casos que não estão relacionados a entrevistas, o STF disse em nota que "é preciso aguardar a publicação do acórdão [decisão completa do colegiado de ministros] e julgamento de eventuais embargos para esclarecimento".
A coluna de humor que é alvo de ações foi publicada em 2017 pelo jornal Super Notícia, chamada "Bola Murcha", mencionava a escalação de um suposto time de Lamim, cidade de 3.500 habitantes no interior de Minas Gerais, que seria o "100 Muié Futebol Clube".
O texto apenas listava apelidos engraçados dos eventuais jogadores dessa equipe, sem citar nomes reais.
Alguns moradores da cidade, porém, se sentiram atingidos e ingressaram na Justiça para pedir retratação e indenização por danos morais.
Três recursos desses processos chegaram ao Supremo. A defesa de um dos homens que se sentiu afetado pela coluna disse que um dos apelidos se referia a ele, que sofreu piadas na cidade pelo termo "100 Muié".
"[O homem], por opção própria, jamais veio a se casar, o que simplesmente expressa uma vontade livre e consciente que em nada interfere na vida de outras pessoas que vieram a ter acesso ao jornal", disse a defesa dele.
Já defesa do Super Notícia apontou que era "impossível comprovar a ligação dele com qualquer dos nomes" e que "nem ele foi capaz de identificar qual nome estaria vinculado ao seu".
Portanto, argumentava, não houve nenhum dano à imagem do homem que ingressou na Justiça.
Procurada pela reportagem, a Sempre Editora, responsável pelo Super Notícia, disse que acompanha os processos e que uma das ações contra a editora foi "encerrado com o cumprimento da obrigação indenizatória" e os demais estão em recurso e aguardam julgamento.
"Vale ressaltar que a coluna Bola Murcha, publicada à época, possuía cunho humorístico e a publicação que deu origem aos processos, sugerida por um leitor do jornal Super Notícia, não apresentava qualquer violação de direito de personalidade e menção à imputação de crime, constituindo-se do direito constitucional de liberdade de expressão e direito de imprensa", disse a empresa, em nota.
Outro processo que chegou ao STF foi apresentado pela Associação Médicos Pela Vida contra o site B9, que produz conteúdo sobre o mercado publicitário.
Em 2021, o B9 publicou um texto sobre uma peça publicitária da associação que foi publicada na Folha de S.Paulo e no jornal O Globo.
A publicidade defendia o chamado "tratamento precoce" -sem eficácia comprovada- contra a Covid-19. O título do texto do B9 era "'Informe publicitário' negacionista nos jornais O Globo e Folha atesta divisão entre editorial e comercial".
A associação pediu um direito de resposta da empresa sob pena de multa de R$ 50 mil.
O pedido foi negado em primeira e segunda instâncias. A sentença que negou o pedido dizia que o texto do B9 era uma reportagem jornalística opinativa que apresentou argumentos que citavam órgãos como a Organização Mundial da Saúde e a Sociedade Brasileira de Infectologia.
Procurado para comentar o processo no STF, o B9 não se manifestou.
Outra ação trata de um ex-prefeito de São Manuel (SP), que processou um blogueiro que manteve no Facebook um comentário que o chamava de "besta humana".
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de SP) condenou as pessoas que fizeram os comentários a pagarem R$ 5.000 de indenização por danos morais. Os condenados recorreram e alegam que o caso é relacionado à liberdade de expressão, por isso deve ser decidido no Supremo.
Entre os outros processos que também terão incidência da tese do Supremo estão o caso de um homem que foi entrevistado de maneira jocosa enquanto estava bêbado e de notícias de prisão em flagrante que expunham os presos.
O caso que deu origem à tese do STF, porém, foi um pedido de indenização contra o jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista publicada em 1995. O Supremo manteve por 9 votos a 2 uma condenação do STJ (Superior Tribunal e Justiça) contra o veículo.
O processo tratava da disputa do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, que já morreu, contra o Diário de Pernambuco.
O ex-parlamentar foi à Justiça contra o jornal devido a uma entrevista na qual o delegado Wandenkolk Wanderley, também já falecido, dizia que Zarattini tinha participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, do Recife, em 1966.
A defesa de Zarattini sustentou que a informação não é verdadeira, que ele não foi indiciado ou acusado pela sua prática e que não foi concedido espaço para que ele exercesse seu direito de resposta.
VIA… NOTÍCIAS AO MINUTO
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