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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Se Netanyahu espera desculpas de Lula, vai continuar esperando, diz Celso Amorim

"Na situação atual não há como negociar", afirma. Conselheiro do presidente Lula, o diplomata também classifica de genocídio a ofensiva israelense em Gaza e reclama de "uma estranha aliança" de Israel com a extrema direita brasileira.

Alan Santos/PR/Agência Brasil

CATIA SEABRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, 81, diz que está um pouco pessimista quanto às chances de interlocução com o governo de Israel, sem que Tel Aviv, nas palavras dele, pare com a matança na Faixa de Gaza.

"Na situação atual não há como negociar", afirma. Conselheiro do presidente Lula, o diplomata também classifica de genocídio a ofensiva israelense em Gaza e reclama de "uma estranha aliança" de Israel com a extrema direita brasileira.

Sobre a cobrança para que Lula peça desculpas a Israel por ter equiparado as ações em Gaza aos métodos de Hitler, Amorim é taxativo. "Vai ficar pedindo. Se é que ele está insistindo mesmo. Não sei se ele [Binyamin Netanyahu] faz isso por demagogia interna ou por qualquer outra razão, mas certamente se ele está esperando isso não vai receber. Não posso falar pelo presidente, mas eu não vejo nada, não vejo razão para o presidente se desculpar".
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Folha - Passada uma semana desde a declaração do presidente Lula, o senhor acredita na possibilidade de reaproximação com o governo de Israel?
Celso Amorim - Nunca estivemos afastados do povo judeu, nem sequer do Estado de Israel, cuja existência nós defendemos. O problema é que esse governo, além do que ele está fazendo em Gaza, comportou-se de uma maneira diplomaticamente inadmissível.
Nunca vi nem na Guerra Fria o Khrushchev [União Soviética] dizer que o Kennedy [Estados Unidos] era uma persona non grata ou vice-versa. A maneira como o nosso embaixador foi tratado também foi lamentável. Fizeram um espetáculo público.
Folha - O sr. acha que foi uma armadilha?
Celso Amorim - Foi uma armadilha porque eles fizeram um circo. Então são duas coisas. Uma é a relação mais profunda Brasil-Israel que é uma relação boa. O presidente Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar Israel. Como é que podem dizer que ele negou o Holocausto? É um absurdo, é mentira.
Agora, a condição mais importante [para reaproximação com Israel] é parar a matança. Muito difícil negar que é genocídio. Atiraram bomba para matarem cem, porque talvez tenha uma pessoa do Hamas. Não sou eu que estou dizendo isso. Há uma medida cautelar da Corte Internacional de Justiça.
Folha - Não tem possibilidade de diálogo com o governo Netanyahu?
Celso Amorim - Eu acho praticamente impossível. Pode ser que mude de atitude; eu sou um pouco pessimista. Obviamente esse governo não quer que exista a Palestina, nem em Gaza nem na Cisjordânia. Uma das declarações citada pela África do Sul, mas repetida pela Corte, é de que não há inocentes. Se não há inocentes, é preciso eliminar todo mundo. Diferenciar isso de genocídio é muito difícil.
Claro que nada é comparável diretamente ao Holocausto pelo número, pela quantidade, por uma série de coisas, mas ninguém também tem um monopólio do sofrimento.
Folha - O sr. diz que numericamente não dá para comparar a ofensiva a Gaza ao Holocausto. Mas o presidente o fez.
Celso Amorim - Mas a essência é igual. Não vejo diferença. Claro que você vai analisar cada caso. Todo mundo não disse que Ruanda é um genocídio? Ouvi isso do próprio secretário de Estado americano. Uma coisa que claramente se dirige contra todo um povo, toda uma população, não vejo outra maneira de definir.
Folha - O próprio líder do governo no senado, Jaques Wagner, falou que o presidente pode ter passado do ponto nessa declaração.
Celso Amorim - Discordo do meu querido amigo Jaques Wagner. Acho que não passou do ponto. A declaração do presidente ajudou a sacudir a opinião pública mundial. Fala-se muito de guerra do Israel com Hamas. Não é; é guerra de Israel com a Palestina. Só que antes era uma guerra em câmera lenta.
E, de repente, por causa do atentado terrorista, que nós condenamos obviamente -porque [houve] morte de civis, adolescentes, uma coisa bárbara, ninguém vai passar o pano em torno disso- tomou uma proporção maior.
Folha - O Netanyahu ainda insiste em um pedido de desculpas.
Celso Amorim - Vai ficar pedindo. Se é que ele está insistindo mesmo. Não sei se ele faz isso por demagogia interna ou por qualquer outra razão, mas certamente se ele está esperando isso não vai receber. Não posso falar pelo presidente, mas eu não vejo nada, não vejo razão para o presidente se desculpar.
Tenho certeza que essa pressão é mais da mídia brasileira do que de qualquer outro lugar. Ele não recebeu nenhuma pressão. Por exemplo, Antony Blinken [secretário de Estado americano] nem de longe sugeriu a ideia de pedido de desculpas. Ele fez uma referência ao Holocausto de maneira muito sutil. Ficamos com a opinião da Corte Internacional. É um genocídio. Não sei qual vai ser a decisão definitiva da corte, mas o que existe hoje é o seguinte: há uma plausibilidade na acusação de genocídio.
Folha - O sr. diz que só vai melhorar a relação se parar a matança. O sr. acredita nisso?
Celso Amorim - A pressão internacional vai aumentar. Nas resoluções da ONU, por exemplo, países aliados dos Estados Unidos todos têm votado a favor do cessar-fogo. Sabe aquela história que você está numa estrada, na contramão e começa a ver os carros. São milhares de pessoas na contramão e só você está na mão certa?
Folha - Quando o presidente se manifesta de uma maneira tão enfática ele não acaba sendo descredenciado como um negociador?
Celso Amorim - Há momentos em que você deve negociar e há momentos em que você deve denunciar. Na situação atual não há como negociar. Tem que parar a matança. E aí sim, pode negociar.
Como nós negociamos várias vezes. O próprio Netanyahu; não gosto do que ele falou com relação ao Brasil e que ele tenha a ação que ele tem. Mas ele mudou. Quando o Lula esteve lá, por exemplo, ele pediu que ajudássemos numa retomada de negociação com a Síria. Parecia querer negociar. Hoje em dia não quer. Acho que ele está jogando com o eleitorado interno.
Não vamos agir contra Israel. Não tem nada disso. Mas também não podemos apagar uma aliança estranha que existe entre o governo de Israel e a extrema direita brasileira.
Folha - Há muitas evidências do governo de Israel com a direita brasileira?
Celso Amorim - O embaixador de Israel teve uma conversa lá com o pessoal ligado ao [ex-presidente] Jair Bolsonaro. Não é com a direita moderada. Obviamente vamos esperar acabar o julgamento. Coloco essa ressalva sempre. Mas estão acusados de golpe. Não é qualquer direita.
Folha - Parece que na sua opinião, então, Israel poderia fazer um pedido de desculpas ao Brasil por tentar intervir na política interna.
Celso Amorim - Não estou preocupado que eles peçam desculpas. Acho melhor que eles parem de intervir. O importante é ter clareza que nós não temos nada por que nos desculpar. Quem tem que se desculpar é o Estado de Israel, perante a humanidade, perante o mundo, pelas barbaridades que acontecem. Não é pelo Brasil, nem pelo governo brasileiro.
Folha - Há uma crítica de que Lula não tenha sido igualmente duro com o governo de Vladimir Putin em relação à Guerra da Ucrânia.
Celso Amorim - Desculpe, mas não tem comparação. Você pode condenar. E nós condenamos. O uso da força, a quebra da integridade territorial da Ucrânia pela força, sem diálogo. Somos contra. Agora não se pode dizer que seja um genocídio como está sendo praticado [em Gaza].
Fui recentemente a uma reunião sobre Ucrânia, convidado pelos ucranianos. Citaram como uma coisa absurda -eu concordo que seja um absurdo- 500 crianças ucranianas que morreram. Eu fico espantado que as 10 mil crianças da Palestina não mereçam uma reunião do tamanho. Não dá para comparar. Toda guerra é condenável.RAIO-X | CELSO AMORIM, 81
Nascido em Santos (SP), é bacharel em direito e tornou-se diplomata ao concluir o curso no Instituto Rio Branco em 1965. Foi ministro das Relações Exteriores nos governos Itamar Franco (1993-1995) e nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Também foi ministro da Defesa de Dilma Rousseff (2011-2014). Desde janeiro do ano passado, é assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais.

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