Para Campos Neto, isso faz com que a política monetária perca potência - o que, em outras palavras, obriga o Banco Central a calibrar a taxa Selic em um patamar mais alto
© Marcelo Camargo/Agência Brasil |
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, comentou nesta quinta-feira, 27, as críticas feitas a ele e à instituição pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para Campos Neto, há uma "constatação", e não opinião, de que os principais ativos financeiros são afetados pelos pronunciamentos de Lula. E isso se reflete em um piora das expectativas, dificultando o trabalho do Comitê de Política Monetária (Copom).
"O que se mostrou no passado recente - e não é opinião minha, é constatação - é que, se a gente olha os movimentos de mercado em tempo real com os pronunciamentos, o que se mostrou é que você teve piora em algumas variáveis macroeconômicas, em alguns preços de mercado. Então, é óbvio que, quando você aumenta o prêmio de risco, ele obviamente faz com que o trabalho fique mais difícil ao longo do tempo", afirmou.
Para Campos Neto, isso faz com que a política monetária perca potência - o que, em outras palavras, obriga o Banco Central a calibrar a taxa Selic em um patamar mais alto.
"O nosso modelo trabalha muito fortemente pelo canal das expectativas, e quando você tem prêmio de risco, ele influencia o canal das expectativas e, influenciando o canal das expectativas, ele influencia a potência do canal de política monetária, que é o que é relevante no nosso dia a dia", afirmou. Campos Neto disse, porém, que Lula tem o direito de se manifestar.
Os comentários foram feitos após a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação, na manhã desta quarta-feira. O documento foi divulgado uma semana depois da reunião que interrompeu em 10,5% ao ano o ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic.
Causas internas
Para o Banco Central, duas das três causas para a piora das expectativas de inflação no país são internas. Pelo lado externo, houve adiamentos dos cortes de juros pelo Banco Central americano. Já internamente, houve uma piora na percepção do quadro fiscal, além de aumento das incertezas quanto ao compromisso do próprio BC de perseguir o centro da meta.
"O Copom elenca como principais fatores dessa desancoragem recente: (i) a piora do cenário externo; (ii) os recentes anúncios de política fiscal; e (iii) percepção de agentes econômicos acerca do compromisso da autoridade monetária com o atingimento da meta ao longo dos anos", afirmou o documento.
O principal ruído recente, embora não explicitado pelo Banco, foi o racha na reunião do Copom de maio, quando quatro diretores indicados por Lula votaram por um corte maior na taxa Selic, de 0,5 ponto percentual.
A divulgação do RI também explicitou a importância para o BC do controle das expectativas. Campos Neto apontou que tanto em relação à inflação quanto em relação à política fiscal, os dados correntes estão vindo em linha com o esperado, mas há uma piora nas projeções à frente. Assim, ele entende que o mercado enxerga uma "dupla desancoragem", o que acaba afetando a curva de juros.
"Acho que a gente passa por um momento em que você tem uma característica muito parecida no fiscal e no monetário, que é ter uma inflação corrente que está mais ou menos em linha com a desaceleração esperada, mas tem desancoragem de expectativa de inflação. Enquanto no fiscal você tem números que não estão muito diferentes do esperado no curto prazo, mas existe também uma grande percepção de piora no fiscal. Essa dupla percepção de desancoragem fez com que o prêmio de risco tenha subido ao longo da curva", disse.
PIB e inflação mais altos
No Relatório, o Banco Central subiu a projeção de crescimento do PIB de 1,9% para 2,3% este ano, mas também elevou suas estimativas para o IPCA, em relação ao Relatório anterior. Para 2024, o número subiu de 3,5% para 4%, e para 2025, de 3,2% para 3,4%, no cenário de referência. Já para 2026, o número foi mantido em 3,2%, ainda acima da meta de 3%.
Nos próximos meses, o BC espera uma aceleração na inflação acumulada em 12 meses, que atingirá o pico de 4,35% nos meses de junho e julho, muito próxima do teto da meta de 4,5%. Uma das explicações para essa alta são efeitos das chuvas no Rio Grande do Sul, que impactaram os preços dos alimentos e atenuaram uma sazonalidade que normalmente é positiva para a inflação no meio do ano.
Desde o último Relatório de Inflação, os juros futuros aumentaram em toda a curva negociada pelo mercado, mesmo com a queda nominal da taxa Selic. Segundo o BC, as condições financeiras pioraram nesse período.
Lula: 'quem apostar contra o real vai quebrar a cara'
Já no Palácio do Planalto, durante reunião do chamado "Conselhão", que reúne empresários e ministros do governo para debater medidas econômicas, o presidente Lula disse que o dólar na quarta-feira subiu "15 minutos antes" de sua entrevista, pela manhã, motivadas por fatores externos. Visivelmente irritado, o presidente chamou de "cretinos" os que disseram que a moeda americana havia se valorizado por sua causa.
"Veja o que aconteceu ontem (quarta, 26), quando terminei a entrevista, a manchete de alguns comentaristas era de que o dólar subiu pela entrevista do Lula. Os cretinos não perceberam que tinha subido 15 minutos antes de eu dar entrevista. Ou seja, esse mundo perverso das pessoas colocarem para fora o que querem, sem medir responsabilidade é muito ruim", afirmou.
O presidente ainda relembrou as apostas feitas por empresas com derivativos, na crise de 2008, que levou à quebra de companhias como a Sadia e a Aracruz Celulose.
"Quem quiser apostar em derivativos vai perder dinheiro neste País. As pessoas não podem ficar apostando no fortalecimento do dólar e no enfraquecimento do real. Eu vi isso em 2008, quem não lembra o que aconteceu com várias empresas? Elas quebraram a cara e vão quebrar outra vez", disse Lula.
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