As idas e vindas se acumulam desde o início do governo, devido às dificuldades políticas e eleitorais de cada iniciativa lançada ou estudada. A ampliação das receitas enfrenta uma reação crescente do empresariado, enquanto opções de corte de gastos geram temores de avanço dos índices de impopularidade.
Ricardo Stuckert / PR/Agência Brasil |
ADRIANA FERNANDES E FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A crise de credibilidade vivida pelo governo na condução das contas públicas e a escalada do dólar fizeram a equipe econômica ensaiar uma mudança de comportamento neste mês e defender com mais ênfase a revisão de gastos federais. Nos últimos dias, porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mostrou não convencido da tarefa –ampliando a série de vaivéns observados na política fiscal.
As idas e vindas se acumulam desde o início do governo, devido às dificuldades políticas e eleitorais de cada iniciativa lançada ou estudada. A ampliação das receitas enfrenta uma reação crescente do empresariado, enquanto opções de corte de gastos geram temores de avanço dos índices de impopularidade.
A série de episódios que alimentam o ceticismo do mercado começou com o anúncio, pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), de uma trajetória ousada de reequilíbrio baseado na expansão das receitas. O cenário de recuperação dos números, que previa a eliminação do déficit público já no ano seguinte, foi apresentado em 2023 pouco depois de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) impulsionar os gastos em R$ 168 bilhões.
Após a promessa de melhora, começaram as resistências de Lula em fazer contingenciamentos nos primeiros sinais de dificuldade. Na sequência, o governo foi obrigado a mudar a meta fiscal de 2025 (cujo alvo central baixou de superávit de 0,5% do PIB para zero). Depois, veio a crise do dividendos da Petrobras, com o governo dando prioridade a investimentos da estatal em vez de pagamentos à União.
A esse rol de problemas, soma-se o ruído provocado após reunião de Haddad com o banco Santander e representantes de outras instituições financeiras, que colocou no radar um risco que até então não estava nas contas dos analistas, ao menos no curto prazo: o governo mudar o teto de despesas do recém-aprovado arcabouço fiscal.
Por outro lado, Haddad tentou manter a agenda de reequilíbrio lançando publicamente medidas de arrecadação –mas acabou derrotado com falta de apoio no Congresso e dentro do próprio governo. O maior exemplo foi a medida que mudava regras do PIS/Cofins, devolvida após uma rebelião do empresariado e um alinhamento entre Lula e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A derrota causou uma deterioração generalizada nas expectativas do mercado sobre a trajetória das contas públicas e o futuro do próprio ministro no cargo. Como reação, a equipe econômica começou a acelerar uma agenda positiva de corte de despesas –sem respaldo efetivo de Lula, o que tem ampliado os ruídos no mercado financeiro.
"Começamos aqui a discutir 2025, a agenda de gastos. O que a gente pediu foi uma intensificação dos trabalhos", afirmou Haddad há pouco mais de três semanas. "Nós temos um dever de casa agora sobre o lado das despesas. Se os planos A, B, C e D já estão se exaurindo para não aumentar a carga tributária pela receita, sobre a ótica das despesas nós temos plano A, B, C, D e E", disse a ministra Simone Tebet (Planejamento) na ocasião.
Nos dias seguintes, Lula chegou a participar de duas reuniões com ministros para discutir a pauta de revisão de gastos, o que não tinha feito até então em um ano e meio de governo. Desde então, no entanto, o presidente já descartou diferentes opções –como desatrelar do salário mínimo o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e alterar a previdência dos militares.
"O problema não é que tem que cortar. Problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação. Temos que fazer essa discussão", afirmou Lula na quarta (26) ao portal UOL.
A equipe econômica tem agora um roteiro em mãos, conforme relatos feitos à Folha. Do lado fiscal, a coordenação das expectativas acontece com a organização de um plano em três etapas do corte de gastos a ser feito pela JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado de ministros responsável pelas decisões de política fiscal e orçamentárias do governo.
A primeira etapa do plano inclui o fortalecimento da governança da JEO para aumentar os instrumentos de controle das despesas que os ministérios estão aumentando. Além disso, é visto como necessário o fortalecimento do plano de revisão dos benefícios. Por último, medidas estruturantes de médio e longo prazos com um cardápio de opções em discussão.
Uma das primeiras frentes de atuação é nos gastos previdenciários. Como revelou a Folha, o governo decidiu começar a revisão de benefícios concedidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ainda no mês de julho de 2024, o que deve representar um dos pilares do plano do Executivo para conter gastos e fechar a proposta de Orçamento de 2025.
Haddad colocou todo o time de secretários para focar na elaboração de medidas. Um integrante da equipe disse à Folha que há um conjunto de ações de corte de despesas a ser apresentado com impacto bem maior, que são menos sensíveis politicamente e que doem menos no bolso das pessoas menos favorecidas.
Ainda que os gastos estejam sendo estudados, na equipe econômica a estratégia continua incluindo o aumento das receitas e a redução das renúncias tributárias. Não está descartada, inclusive, a possibilidade de uma nova tentativa de regular o uso de créditos do PIS/Cofins (frustrada neste mês).
"Ainda não esgotamos a revisão de gastos tributários, mas sabemos os limites dessa agenda", afirmou Haddad na quinta (27) em discurso por escrito distribuído à imprensa durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, mas que acabou não sendo lido.
"Também reconhecemos a necessidade de encarar as pressões do gasto público. Desde que, como sempre lembra o presidente, cuidemos dos mais vulneráveis da sociedade brasileira. Não aceitamos deixar ninguém para trás", completa o texto.
Os movimentos da equipe econômica e a tentativa de virar a página na relação com o mercado são observados em meio a um desafio extra, o de afastar os riscos do que tem sido chamado dentro do governo de uma "segunda transição" em razão da troca de comando do Banco Central na metade do governo Lula.
A divulgação do decreto do novo modelo de meta de inflação neste momento era, inclusive, uma tentativa de mitigar a tensão do mercado. Mas a agenda positiva foi ofuscada por mais declarações de Lula, que voltaram a reacender a percepção de risco sobre as contas públicas e seus potenciais efeitos na política monetária.
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