"Olhava Marielle no carro e queria acreditar que ela estava viva", disse Fernanda Chaves
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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A jornalista Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle Franco (PSOL), afirmou nesta quarta-feira (30) no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que acreditava que a vereadora estava viva, desmaiada, após os disparos contra o carro em que elas estavam.
Fernanda é a primeira testemunha a depor no julgamento dos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, réus confessos pelo crime. A jornalista estava no carro alvo dos disparos que vitimaram a vereadora e o motorista Anderson Gomes.
Ela relatou ao júri os momentos imediatamente anteriores e posteriores ao assassinato. A sobrevivente disse que saiu sem ferimentos no corpo após a rajada de tiros e acreditava que o mesmo pudesse ter acontecido com a vereadora.
"Meu corpo inteiro ardia. Não tinha certeza se eu tinha sido atingida ou não. Olhava para a Marielle lá dentro. Queria acreditar que ela estava viva. Imaginava que ela poderia estar desmaiada. Como eu sai tão inteira, não queria admitir que ela estava morta", disse Fernanda.
A jornalista disse que Marielle não costumava sentar no banco de trás do carro, como fez em 14 de março de 2018. A posição da vereadora acabou levando, segundo a perícia, os tiros a atingir também Anderson, que estava ao volante.
"Marielle sempre andava na frente. Até brinquei com ela: 'Vai de autoridade?'. Ela disse: 'Estou cansada. Preciso esticar as pernas'", afirmou a ex-assessora.
Fernanda estava sentada atrás do motorista e, de acordo com laudo do carro, não foi atingida porque se abaixou e, também, foi protegida por Marielle
Ela disse que ouviu a rajada de tiros e se abaixou logo em seguida. A jornalista contou que ouviu Anderson esboçar um suspiro de dor e logo em seguida deixou o braço direito se soltar do volante.
"Marielle estava imóvel. Senti o peso do corpo dela em cima de mim. Estava sem cinto, por isso consegui me abaixar atrás do banco", disse a testemunha.
A jornalista disse que imaginava ter passado por um confronto.
"Tinha uma sensação que tinha passado por um confronto, até porque ali tinha tido um confronto 15 dias antes. A primeira coisa que me veio à cabeça. Acreditava que tinha passado pelo meio de um tiroteio. Até porque é Rio de Janeiro. Infelizmente é a realidade do Rio de Janeiro", disse ela.
"Desci engatinhando do carro, com muito cuidado achando que poderia estar acontecendo uma ocorrência mais atrás. Percebi que não tinha absolutamente nada. Fui me levantando com as mãos erguidas, porque não sabia o que tinha na rua."
Fernanda também relatou como teve de sair do Rio de Janeiro e, posteriormente, do país após o atentado. Ela foi a Madri (Espanha) com apoio da Anistia Internacional, mas teve de custear com dinheiro de apoio da entidade a passagem de ida e volta para o Brasil para participar da reprodução simulada do crime.
"Muito mais dolorido foi eu ser obrigada a não participar dos ritos de despedida da Marielle. Não era só uma funcionária da Marielle. Fazia parte da coordenação política do mandato dela. Tínhamos quase 15 anos de amizade. Ela era madrinha da minha filha. Éramos vizinhas. Não pude ir no velório, enterro, missa de sétimo dia. Fui impedida", disse ela.
A ex-assessora disse que a vereadora não se sentia sob ameaça.
"Existiam outros parlamentares do partido dela que sofriam perseguições e ameaças constantes. Talíria [Petrone, deputada federal] sofria sim esse tipo de ataque. Jean Willys [ex-deputado] do PSOL era uma figura ameaçada constantemente que devia se proteger. Ela tinha um olhar cuidadoso para esses colegas de partido. Isso fazia com que ela estivesse muito atenta. Mas ela não se sentia ameaçada e perseguida", afirmou a jornalista.
Fernanda disse que os assassinos e seus mandantes não conseguiram interromper Marielle.
"Essas pessoas que pensaram, que desejaram interromper Marielle. Elas não conseguiram interromper. Elas tiraram Marielle da gente. Mas elas não conseguiram interromper o que significa Marielle. Elas vão passar o resto das vidas dela tendo que ouvir 'Marielle vive', tendo que se deparar com leis pensadas por ela e o mandato dela. Tendo que ver a cara dela em muros pelo mundo afora, por placas de rua", disse ela.
Outras seis testemunhas serão ouvidas a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro. Mais duas foram selecionadas pela defesa de Ronnie Lessa.
O júri começou às 10h30 e deve se estender pela quarta (30) e a madrugada de quinta-feira (31).
Lessa, preso no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e, Élcio, no Centro de Inclusão e Reabilitação em Brasília, serão ouvidos por videoconferência. Os dois firmaram acordo de delação e confessaram o crime.
O Ministério Público do Rio vai pedir pena máxima aos réus, que pode chegar a 84 anos de prisão. O acordo de Lessa prevê o cumprimento de pena em regime fechado até março de 2037. A reunião das penas nos 12 processos a que ele responde será feita pelo juízo de execução penal. Os detalhes do contrato de Élcio não são de conhecimento público.
Os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão e o delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa são réus no STF (Supremo Tribunal Federal), sob acusação de planejarem a morte da vereadora. Ele são apontados como mandantes na delação de Lessa. Todos negam o crime.
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